Pólo Tecnológico de Florianópolis é destaque no Valor Econômico
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Eles migram do Sudeste atraídos por boas oportunidades de emprego na área e uma melhora na qualidade de vida
Um número crescente de profissionais oriundos dos grandes centros do país está conseguindo viabilizar o sonho de morar na paradisíaca capital catarinense graças ao desenvolvimento do pólo local de tecnologia da informação (TI). A região já conta com quase 400 empresas do setor e pelo menos 30 novos negócios são abertos a cada ano. Como a formação local de mão-de-obra não é suficiente para acompanhar o ritmo de expansão do mercado, muitos dos 5 mil postos de trabalho vem sendo ocupados por pessoas de outros estados. "Programadores, arquitetos de sistemas, gerentes de projetos e outros profissionais qualificados que chegam à cidade certamente não ficam desempregados. Temos 500 vagas em aberto neste momento", diz o presidente da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate), Rui Luiz Gonçalves.
O pólo nasceu da combinação de uma série de fatores, dos quais o mais importante é a existência de bons cursos universitários na área de tecnologia. A partir disso, houve a decisão estratégica de incentivar a atividade, principalmente por se tratar de uma indústria limpa, cujo desenvolvimento não coloca em risco o festejado patrimônio natural da cidade. Nascia assim uma alternativa econômica ao comércio sustentado pelo funcionalismo público e à exploração do turismo, realizada em grande parte informalmente, sem recolhimento de impostos- e que sempre sofreu com a sazonalidade, uma vez que se concentra nos três meses de verão. Hoje, o setor de TI já é o que mais fatura em Florianópolis. Foram R$ 476 milhões em 2007, crescimento de 48% em relação ao ano anterior. Com isso, o município faturou R$ 9,9 milhões em Imposto Sobre Serviços (ISS), arrecadação duas vezes superior à proporcionada pelo setor de turismo.
O desenvolvimento do pólo se deu gradualmente ao longo dos últimos 20 anos, mas um capítulo bem mais recente dessa história é o acolhimento, pelas empresas de TI, de profissionais com carreira executiva. É o caso do paulistano Anderson Gomes, 30 anos, contratado há pouco mais de um mês como gerente de marketing da BRy Tecnologia, especializada em produtos e serviços voltados à segurança no uso de documentos eletrônicos. Formado em administração de empresas pelo Mackenzie e pós-graduado em marketing estratégico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Anderson já havia trabalhado com o setor de TI em São Paulo quando tomou a decisão de se mudar para a capital catarinense, em 2005, mesmo sem conhecer ninguém na cidade. "Eu sempre quis morar em Floripa e tinha informações sólidas sobre o crescimento do mercado local de tecnologia. Resolvi apostar todas as fichas nesse projeto", descreve.
Ter sido escolhido no processo de seleção para a vaga na BRy Tecnologia, empresa com 25 funcionários e projetos ambiciosos de crescimento, foi o coroamento da decisão que o fez enfrentar algumas dificuldades nos primeiros tempos- incluindo aperto financeiro e um emprego temporário como caixa de banco, até conseguir a primeira oportunidade na área de especialização. "Foi um período complicado, que exigiu persistência, mas valeu a pena. Se eu tivesse ficado em São Paulo, é provável que não tivesse posição e salário superiores aos que tenho aqui. Sem falar no imenso ganho na qualidade de vida", compara.
Enquanto em São Paulo Anderson costumava gastar pelo menos 14 horas por dia no escritório e no trânsito, em Florianópolis ele consome não mais que dez horas. "As pessoas aqui também trabalham bastante, mas há limites, como se a beleza natural da cidade alertasse o tempo todo sobre a necessidade de equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal", descreve. Com mais tempo disponível fora do escritório, ele passou a jogar futebol na praia com freqüência, atividade que o levou a fazer amizades e a se enturmar com os amigos dos amigos. Foi nesse circuito que conheceu a namorada- que também não é catarinense, e sim gaúcha.
A quem pretende percorrer caminho semelhante, Anderson sugere estar preparado para enfrentar a resistência das pessoas próximas. Ao anunciar a ex-colegas de trabalho, de universidade e de pós-graduação que iria se mudar para Florianópolis, ele se deparou com uma situação que se repete com freqüência quando um profissional jovem decide trocar uma metrópole por um centro menor: ouviu poucas palavras de incentivo e muitas opiniões desanimadoras. "Disseram que minha carreira ficaria estagnada e que eu acabaria voltando para São Paulo, onde ´tudo acontece´. Mas continuo me sentindo tão atualizado e ligado ao mercado quanto antes", avalia.
É preciso, também, estar ciente de que Florianópolis é ainda uma cidade com menos de 400 mil habitantes, sujeita não apenas às vantagens típicas de tal condição, mas também a limitações -entre as mais sentidas para quem vem dos grandes centros estão os salários em média 30% inferiores e a carência de atrações culturais. Por outro lado, problemas típicos das metrópoles começam a ser percebidos: congestionamentos no trânsito, aumento nos índices de violência urbana e custo de vida comparável ao de São Paulo.
Profissionalização na gestão ainda é um desafio para as empresas locais
Para o presidente da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate), Rui Gonçalves, o momento do pólo tecnológico de Florianópolis exige um "choque de gestão". "Temos excelentes produtos que precisam ser trabalhados para ganhar mercado no país e no exterior. É hora de dar um salto. Por isso, profissionais com experiência em grandes centros, boa rede de contatos e visão mais ampla são muito bem-vindos", considera. Um dos projetos da Acate é implantar gradualmente conceitos de governança corporativa, já que o modelo mais comum no pólo é de empresas administradas pelos próprios fundadores -que certamente entendem de tecnologia, mas nem tanto de gestão.
Enquanto essa transição está em andamento, raramente as oportunidades para executivos em Florianópolis surgirão no formato tradicional- um emprego com carteira assinada e um pacote atraente de benefícios-, pois a maior parte das empresas de tecnologia da região ainda são de pequeno porte. "O momento atual é perfeito para quem chega com espírito empreendedor, interessado em participar de projetos promissores. É preciso ter mentalidade de sócio, e não de empregado", considera Rui.
É o caso do economista carioca Marcelo Cazado, 36 anos, que se mudou para Florianópolis há um ano, depois de 15 anos de carreira em multinacionais como Accenture e Coca-Cola- onde ocupou o cargo de gerente de inovação e foi premiado mundialmente por três anos consecutivos na Six Sigma Expo, promovida pela Coca-Cola Company em Atlanta. Com mestrado na Inglaterra e participação ao longo da carreira em projetos internacionais nos Estados Unidos, América Latina, Europa e Ásia, Cazado vislumbrou na ainda pacata capital catarinense a oportunidade de criar um negócio: a Floripa Angels, cujo objetivo é atrair investidores para as empresas de tecnologia da cidade. "Selecionamos os 15 negócios mais promissores do setor e agora e estamos à procura de parceiros que não queiram apenas colocar dinheiro nessas empresas, mas que participem efetivamente da gestão. É isso que vai fazer o pólo local decolar de vez", considera.
Desde que conheceu Florianópolis, ainda na adolescência, ele sonhava em se mudar para a cidade- entre outras razões, porque adora surfar. Mesmo com a agenda recheada de reuniões e outros compromissos relacionados ao novo negócio, além da obrigação de aproveitar a rede de contatos para prestar consultoria e manter a reserva de dinheiro, ele reduziu um bocado a carga de viagens e tem conseguido cair no mar entre uma e duas vezes por semana. "Estou muito feliz por ter conseguido me livrar a tempo das ´algemas de ouro´ que os grandes centros oferecem: salários e benefícios tão bons que você fica preso a eles, como se não houvesse alternativa", diz.
Universidades já atraem candidatos "forasteiros"
O interesse dos "forasteiros" pela possibilidade de trabalhar no setor de tecnologia em Florianópolis já se manifesta no vestibular da principal instituição de ensino superior da cidade, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Dos 440 alunos aprovados no último concurso para os seis principais cursos da área de tecnologia, 169 vieram de outros estados, especialmente São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, nessa ordem. O índice, de 38,4%, é bem superior à média geral da instituição, 26,3%.
A maioria dos negócios de tecnologia em Florianópolis são criados por jovens universitários ou recém-formados que se instalam nas incubadoras de empresas. Foi na capital catarinense que nasceu a primeira incubadora do Brasil, em 1986, o Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta). Hoje são quatro incubadoras na cidade, além de outras nos municípios vizinhos. "A academia e o mundo empresarial estão se aproximando cada vez mais em Florianópolis, com resultados extremamente positivos na competitividade das empresas locais", descreve o diretor do Centro Tecnológico da UFSC, Edison da Rosa.
O pólo já tem histórias de sucesso para contar, como a da Mdev, especializada no desenvolvimento de games e aplicativos para celulares. Criada em 2005 com apenas seis pessoas, ela foi vendida no ano passado, por US$ 8 milhões, para um grupo multinacional de investidores. Hoje, com o nome mudado para Cre8 Brasil, já soma 40 funcionários e conta com dois executivos, um dos quais recrutado em São Paulo. Entre os demais produtos que se destacam nas empresas de base tecnológica de Florianópolis estão os softwares de diagnóstico de imagens, de engenharia, mecanismos para agricultura de precisão, modelagem na área têxtil e nanotecnologia.