Ministro de C&T quer mais pesquisa nas empresas
Mas Sergio Rezende, o ministro que responde por Ciência e Tecnologia, é um entusiasta. Esse engenheiro eletrônico que liderou as pesquisas de física na Universidade Federal de Pernambuco, assim como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), tem uma fé quase missionária na promoção da pesquisa, do desenvolvimento e da inovação no País: quer fechar 2010 tendo contribuído para aumentar os investimentos brasileiros na área para 1,5% do PIB. E que a contribuição da iniciativa privada na área chegue a 0,65% do PIB nos próximo dois anos. Isso é possível já que, por exemplo, só em incentivos fiscais o Governo em 2007 liberou R$ 4,85 bilhões em P&D nas empresas.
Proveniente das fileiras do PSB, Rezende acredita que o aliado natural do Governo na promoção da pesquisa brasileira seja mesmo a indústria nacional. Segundo ele, a estrangeira não se interessa por realizar sua pesquisa no Brasil, pois prefere centralizá-la nos laboratórios da matriz. Na sua avaliação, a empresa nacional, ao contrário, precisa expandir seus mercados. "E o melhor meio para fazê-lo é dispor de produtos diferenciados, desenvolvidos à base de pesquisa e desenvolvimento", defende. Sem deixar de lado a pesquisa nas áreas estratégicas para o Governo, uma das metas do pesquisador é ampliar significativamente a interface da ciência com a iniciativa privada. Seu ministério a está apoiando de várias formas, inclusive, a partir de 2006, com recursos a fundo perdido.
Nos últimos meses, com a eclosão da crise internacional, o orçamento de muitos ministérios correu o risco de cortes importantes. O que sobrou para o MCT depois da revisão feita no seu orçamento neste início de ano?
Sergio Rezende: O ministério já teve um orçamento de R$ 1 bilhão em 2000. Ele veio crescendo desde então de forma consistente. Em 2008 foi de R$ 4 bilhões. Em 2009 será de R$ 4,2 bilhões e isso depois de ter sofrido cortes e contingenciamento que somaram mais de R$ 1 bilhão em relação ao projeto de lei que o Governo enviou ao Congresso. Não estou confortável com isso. Por exemplo, foi cortada no Congresso parte das bolsas do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. Mas estou confiante, mesmo que não dê para fazer tudo o que queríamos com essa queda na receita que estimávamos.
O corte, aliás, em comparação com outras áreas, foi modesto…
Rezende: Isso porque os Fundos Setoriais, de onde provém boa parte de nossos recursos, fazem parte do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que tem receita garantida por lei. Hoje, das receitas do FNDCT, metade mais ou menos, vem do fundo setorial do petróleo, ou algo como R$ 1 bilhão. Outro R$ 1 bilhão provêm dos demais fundos. Havia a previsão de que o FDCT tivesse R$ 3,1 bilhões. Mas a arrecadação caiu e hoje seus recursos somam R$ 2,2 bilhões. São os fundos que nos permitiram ter novos programas no ministério. Houve há dois anos uma lei que regulamentou o fundão e permitiu que seus recursos também fossem destinados a ações transversais – ou seja, não ligadas especificamente a um determinado setor da economia. Foram beneficiadas com isso também a subvenção econômica e o fomento de ciência e tecnologia.
Como reagiram esses setores que financiam os fundos setoriais? Afinal, com essa medida, o dinheiro arrecadado a partir da cadeia do petróleo poderá apoiar a pesquisa em biotecnologia…
Rezende: É isso mesmo. Ele permite que possamos fazer uma política de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) mais consistente. Quando a lei que o regulamentaria estava em discussão, o comitê gestor do fundo do petróleo e a comunidade ligada à sua cadeia de valor reclamaram muito. E nós argumentamos que nos países árabes absolutamente tudo é financiado com o dinheiro vindo do petróleo. E por que não o seria no Brasil?
O que há de mais importante em curso, hoje, na sua gestão este ano?
Rezende: Consolidamos programas de subvenção econômica para pequenas empresas no âmbito nacional, o Programa Primeira Empresa Inovadora (Prime). Ele garante recursos a fundo perdido para as pequenas empresas de base de conhecimento, ligadas a um centro de pesquisa. E consolidamos também um outro programa de subvenção de apoio à pesquisa em parceria com os estados. Conforme a região, o Governo federal coloca mais recursos. No Nordeste, coloca R$ 2 para cada um desembolsado pelo estado. No Rio de Janeiro e em Minas, investimos R$ 1,5 para cada R$ 1 colocado pelos dois estados. E, em São Paulo, dispomos de R$ 1 para cada R$ 1 dos paulistas. Lançamos também o Programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. Foi aberto um edital de R$ 600 milhões para ele. Fizemos uma articulação, reunindo recursos do MCT, das fundações estaduais, da Petrobras, do BNDES. O programa hoje é coordenado pelo CNPq. Ele financia projetos de institutos em áreas temáticas. O projeto apoiado é sediado numa entidade ou universidade de reconhecida competência na área em articulação com vários laboratórios associados. É como se a universidade fosse a âncora de uma rede. No total, são 123 institutos cuja seleção deu-se entre dezembro e janeiro. Os recursos podem ser usados em tudo que for importante para a pesquisa: equipamentos, custeio, viagens, contratação de pessoal em caráter temporário por três anos. Os projetos são temáticos. Temos 39 deles na área de saúde, 14 em engenharias/física e matemática, 11 em bio e nano tecnologia, 9 para o agronegócio, 7 para energia…
Por que a área da saúde está tão bem representada?
Rezende: O retorno social da pesquisa nessa área é muito grande. Estamos buscando soluções para doenças tropicais. Trabalhamos por uma vacina contra a dengue e para a malária. Ou nós vamos desenvolver essas vacinas, ou continuaremos com o problema.
Mas por que não há interesse por parte da iniciativa privada nessas áreas?
Rezende: A iniciativa privada limita seus interesses aos medicamentos para quem tem dinheiro. Ou seja, para as doenças comuns no hemisfério Norte onde está a riqueza. O Brasil tem, por exemplo, uma grande indústria automotiva. Mas os novos modelos são lançados lá fora, com anos de antecedência. E aqui nos cobram o preço do seu desenvolvimento como se fossem produtos novos. O mesmo raciocínio vale para os medicamentos. Precisamos de uma indústria nacional sólida nesse setor. Só vamos poder lidar com os nossos desafios quando a nossa indústria puder desenvolver os produtos de que precisamos. Ou fazemos a pesquisa aqui, com a indústria nacional, ou ela simplesmente não acontece. A indústria estrangeira faz sua pesquisa lá fora, na matriz.
O senhor está afirmando que a parceira natural do MCT é a empresa nacional?
Rezende: O que eu disse não é um caso de xenofobismo, não. A empresa nacional, de controle nacional, está estimulada para ganhar mercados novos e para isso precisa fazer pesquisa e inovar. E o faz no Brasil.
Na sua visão, qual é o papel do capital privado na promoção da inovação? E por que o empresariado nacional, exatamente esse com o qual o senhor propõe parceria, reserva tão pouco para pesquisa e desenvolvimento?
Rezende: De fato, o empresário brasileiro investe pouco em Ciência e Tecnologia e Inovação. Não tem a cultura da inovação. Não fez isso no passado por estar impossibilitado diante das limitações da economia. Portanto não tem referências e nem a clareza de como isso é importante. Do total dos investimentos feitos na área no Brasil, os empresários sequer respondem por 40%. Este é um dado da realidade da nossa história. A nossa industrialização é recente. Previa a importação de máquinas, tecnologia e processos. Podemos dizer que a industrialização dos anos 60 é aquela da importação da caixa preta. A cultura no Brasil é comprar a máquina, chamar um técnico para instalar e chamá-lo de novo para consertar quando há problema. Apenas no final dos anos 90 alguns setores começaram a mudar esse quadro.
Mas outros países que tiveram a industrialização tardia hoje têm taxas de investimento muito mais altas que no Brasil…
Rezende: É que, até a década de 90, quem quisesse investir em pesquisa tinha que arcar com os custos e os riscos sozinho. Não havia apoio. E, de outro lado, as empresas brasileiras se focavam na administração da inflação. Só na metade dos anos 90, aquelas empresas que não foram engolidas pelo cenário econômico extremamente adverso puderam enxergar mais adiante. E quem passou a fazer pesquisa passou a ganhar mercado.
Como correr atrás do prejuízo de tantos anos de atraso?
Rezende: Convencendo as empresas a adotarem os instrumentos de apoio à inovação que elas já têm à mão. E ter casos de sucesso para mostrar. Um empresário só investe quando vê um colega seu lucrando porque contratou pesquisadores e foi bem sucedido. Quero divulgar esses casos para que o seu entusiasmo contamine outros e mais outros.
Que instrumentos são esses? Estão à altura do desafio?
Rezende: O MCT, que está completando 24 anos. E nunca tivemos tantos instrumentos para apoiar a inovação nas empresas, que é uma das quatro prioridades da pasta. Temos uma linha tradicional de financiamento por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a juro zero, com o pagamento apenas da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Essa ampliou-se muito nos últimos anos. Mas há três anos, em 2006, começamos a atuar, ainda, com o incentivo fiscal, por meio da Lei do Bem. Basicamente o que essa legislação permite é que empresas que invistam em pesquisa e desenvolvimento possam abater esses investimentos do seu imposto de renda. É uma espécie de Lei Rouanet da pesquisa. Os valores investidos por essas empresas em P&D em 2007 chegaram a R$ 4,85 bilhões. Já havia algo parecido antes: a Lei do Bem, mas que era restrita apenas ao setor da Tecnologia da Informação. Agora qualquer empresa que queira inovar pode se beneficiar de incentivos.
Qual é o impacto esperado pelo Governo?
Rezende: Esperamos que essa medida aumente a competitividade das empresas. Isso deve vir naturalmente, com uma mudança cultural. Essas empresas vão ter resultados dois anos depois de feitos os investimentos em pesquisa e desenvolvimento. A tradição do empresário brasileiro até aqui é a compra de máquinas e equipamentos. Ela permite um resultado imediato. Mas em P&D o retorno é mais demorado. No mínimo dois anos. Precisamos, portanto, de casos de sucesso para mostrar.
Outro instrumento é a subvenção econômica, quando o Governo dá dinheiro para uma empresa, dividindo com ela o alto risco do investimento em pesquisa. O conceito é polêmico e dá margem a muitas discussões. Quais são os resultados dessa linha de ação no País hoje?
Rezende: Já fizemos três editais desde a aprovação da legislação que regula o assunto. Em 2006, a subvenção somava R$ 300 milhões. Na ocasião, 1.100 empresas enviaram suas propostas. Foi uma demanda de R$ 1,9 bilhão. Dessas, 145 foram aprovadas e apenas R$ 272 milhões distribuídos, muito aquém do disponível. Em 2007, tivemos um edital de R$ 450 milhões, para o qual concorreram 2.567 projetos cuja demanda somava R$ 4,9 bilhões. Foram aprovadas 174 propostas que receberam R$ 313 milhões. Em 2008, outro edital de R$ 450 milhões recebeu mais de 2600 projetos com uma demanda de R$ 6 bilhões. Foram aprovadas 230 propostas e os recursos foram usados integralmente.
Esses projetos devem ter um ciclo longo até obterem o retorno econômico. Mas, nesse curto intervalo, quais foram seus resultados?
Rezende: Temos muitos projetos que já terminaram. Foi feita uma publicação pela Finep sobre isso contando os casos de sucesso de 40 empresas inovadoras que usaram esse e outros instrumentos de apoio à inovação. Mas posso dizer também que o principal resultado nesses poucos anos de subvenção foi a confiança do empresário de que ele pode, de fato, fazer um desenvolvimento de projeto sem precisar de montar uma equipe grande. A subvenção mostrou a essas empresas que é possível tocar um projeto tendo uma ou duas pessoas dentro da própria empresa que fazem a interlocução com um centro de pesquisas ou com uma universidade em uma parceria.
Alguns críticos da subvenção são particularmente severos quanto ao Prime. Segundo eles, no exterior os países que fazem subvenção concentram seus recursos nas grandes empresas, com maior potencial para competir internacionalmente e, portanto, maior potencial de retorno. No Brasil estamos distribuindo R$ 1,3 bilhão em quatro anos para 5 mil empresas com menos de dois anos de existência…
Rezende: O País mais desenvolvido e com a melhor experiência na área da inovação são os Estados Unidos. E isso se deu principalmente depois da Segunda Guerra, quando empresas de fundo de garagem foram montadas por pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), na costa Leste, e de Stanford, na costa Oeste. Desenvolviam um equipamento, um produto. A HP é um exemplo desse movimento. As iniciais do nome são as mesmas dos dois fundadores – Hewlett e Packard – ambos de Stanford. E, na década de 90, o governo dos Estados Unidos percebeu o potencial dessas empresas. Resolveu incentivá-las para se tornarem grandes. Foi quando lançaram o Small Business Inniciative Research (SBIR). A partir desse momento, todas as agências federais de fomento dos Estados Unidos, incluindo as de Defesa e de desenvolvimento no campo da energia, têm de destinar um percentual dos seus recursos para projetos com pequenas empresas, sem retorno. Google e Yahoo foram beneficiadas por essas medidas, assim como muitas outras em áreas como saúde humana e animal. O dinheiro era usado para desenvolver coisas pequenas. Ou seja, eles também apostam nas pequenas. É engraçado. Nos primeiros editais, também tivemos críticas de que nossos editais estariam beneficiando as médias e as grandes.