Governança para startups: quando é o momento de criar uma estrutura de apoio para tomada de decisões?
Para quem já validou modelo de negócio e captou investimento, políticas como adoção de um conselho administrativo ou consultivo e transparência financeira são fundamentais para o desenvolvimento sustentável. Confira a […]
Para quem já validou modelo de negócio e captou investimento, políticas como adoção de um conselho administrativo ou consultivo e transparência financeira são fundamentais para o desenvolvimento sustentável. Confira a opinião e o exemplo de especialistas e empreendedores
A jornada para empreendedores que se dedicam a criar um modelo de negócio inovador, com potencial de crescimento em escala, muitas vezes termina nas “primeiras rodadas” do campeonato. Ideias que não vingaram, falta de alinhamento com sócios, dificuldade na captação de recursos, concorrentes com produto melhor… há uma série de fatores que tiram as startups do caminho do mercado.E, assim como nos games clássicos, a cada “fase” vencida pelo empreendedor – ideação, validação do produto, tração – o passo seguinte torna-se mais complexo e desafiador. Na série Jornada de Governança Corporativa e Contábil para Startups, destacamos o que especialistas e empreendedores que passaram por este caminho recomendam a quem está desenvolvendo – ou que pretende desenvolver – seu próprio negócio.
Se, na primeira etapa (ideação), é necessário cuidar de aspectos básicos de formalização, gestão e contabilidade, no momento seguinte (validação do MVP) a hora é de entender o passo a passo que pode ajudar na captação de recursos de investidores e, quem sabe, na participação de programas de incubação e aceleração, com o objetivo de chegar à tração.
E depois dessa fase? Como startups e scale-ups que estão se consolidando – e já têm uma maturidade financeira e de gestão – se tornam efetivamente “adultas”?
“Um dos indicadores que mostra se uma empresa nesta fase está no caminho correto é, em alguns casos, a formação de um conselho consultivo e/ou já de administração, muitas vezes composto até pelos investidores anjos, principalmente se entre os fundadores não há alguém experiente em gestão de negócios”, responde Ismael Silva, investidor-anjo, mentor e cofundador da Softcon, empresa de contabilidade especializada no mercado de tecnologia e inovação.
“Aquilo que era apenas uma ideia e um acordo entre os sócios fundadores num primeiro momento, e se tornou depois um negócio validado com participação de novos sócios capitalistas, nesta etapa demanda a criação de uma estrutura de apoio para tomada de decisões estratégicas, determinando diretrizes no relacionamento com o mercado e os clientes, além de estabelecer políticas de transparência, entre outras funções”, detalha.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) recomenda, em cartilha publicada em 2019, que as startups em fase de tração – que já tem mercado consumidor próprio, equipe em crescimento e modelo de negócio validado – tenham os dois tipos de conselho: primeiro um consultivo (para orientação e consultas gerais), mais informal, e posteriormente um administrativo, “encarregado do processo de decisão de uma organização em relação ao seu direcionamento estratégico, que exerce o papel de guardião dos princípios, valores, objeto social e sistema de governança da organização”, resume a entidade no documento.
“O empreendedor precisa entender que governança corporativa não é um mal necessário. É um bem necessário”, afirma Iomani Engelmann, cofundador e diretor de Marketing e Novos Negócios na Pixeon, desenvolvedora de sistemas de gestão para hospitais, clínicas e laboratórios, e atual presidente da Acate. A health tech, fundada em 2003 em Florianópolis, se desenvolveu em uma época que não havia muitas referências sobre governança corporativa, especialmente para empresas iniciantes na área de tecnologia.
“O fato de você ser questionado por um conselho, de ter que provar suas decisões, é fundamental. Em 99% das vezes que fui questionado com relação a ideias e projetos, percebi que não tinha conhecimento suficiente e voltei pra prancheta. Pode parecer uma dor para os empreendedores mas na verdade isso é muito bom. O “por que?” é uma questão muito sábia”, ressalta Iomani.
GOVERNANÇA CONTÁBIL NO DNA
Seis meses após ser formada, à época por Iomani e o sócio Fernando Peixoto, a Pixeon entrou no programa de incubação Miditec, gerenciado pela Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) e mantido pelo Sebrae/SC. Nos primeiros anos, lembra o diretor, “apesar de termos mentorias na incubadora, não tínhamos nenhum advisor ou conselho. Por isso, nos forçamos a ter uma reunião mensal, para os sócios definirem questões como alocação de receita e enquadramento tributário, por exemplo. Isso não era comum em empresas do nosso porte, que não tinham recebido investimento externo”.
Outra prática da Pixeon naquele momento de tração foi de fazer um revezamento dos fundadores entre todas as áreas da empresa: Iomani passou pelo financeiro, RH, suporte, P&D, implantação, marketing e comercial, enquanto Fernando passou por vários destes departamentos.
“Dentro da perspectiva de finanças e contabilidade, a incubadora procura passar o mais cedo possível a importância de se ter uma boa governança e gestão financeira – e isso fica ainda mais evidente em um momento de crise como estamos passando”, comenta Ismael, da Softcon. Quando a Pixeon estava incubada, governança era um assunto relativamente novo, mas a empresa tinha em seu DNA a preocupação com esses princípios.
No Miditec, as incubadas têm à disposição consultoria com três especialistas em áreas diferentes: gestão financeira, área contábil e investimento – todos com acesso a um sistema de dados com o desempenho mensal das empresas e podem atuar rapidamente quando algo não está sainda como o planejado.
“Além disso, a mentoria com outros empreendedores do setor acelera o aprendizado e auxilia naqueles momentos de tomadas de decisão difíceis. Algumas das startups têm recorrido a empresas para auxiliar no trabalho operacional do financeiro, mas a incubadora sempre reforça que podem ser terceirizadas rotinas financeiras, mas nunca a gestão das finanças do negócio, o que seria como pilotar um carro de olhos vendados”, explica Ismael.
ROTINAS DE GOVERNANÇA AJUDARAM A CAPTAR INVESTIMENTO INTERNACIONAL
Em 2011, a empresa começou a desenvolver o plano de captar investimento externo, fazendo uma reestruturação interna. “Era o momento adequado: estávamos mais estabelecidos no mercado, com crescimento intenso e nova sede. Isso nos permitiu ser pró-ativos para buscar recursos e conseguimos isso um ano antes do previsto”, comenta Iomani. E não foi um investidor qualquer: naquele 2011, a Intel Capital entrou no quadro societário da Pixeon, primeira empresa do Sul do Brasil a receber aporte do fundo norte-americano.
A qualidade da governança corporativa da empresa impressionou a investidora que, em um movimento raro para a realidade de venture capital, dispensou a chamada due dilligence (auditoria externa) na Pixeon, o que facilitou todo o trâmite do investimento. Quando a startup não possui um gerenciamento organizado, esta auditoria pode se entender por meses a fio e, em casos mais graves, pode até fazer os investidores desistirem da operação.
Como lembra Iomani, “foi uma tarefa difícil, montar todos os dados solicitados de forma estruturada para um potencial investidor, com um grau de exigência muito sofisticado. O fato de termos a estrutura financeira e contábil organizada trouxe, além de celeridade ao processo, a dispensa da autoria externa. É uma prova concreta de como a boa governança é algo que agrega valor ao negócio.
O mudou daquele momento em diante? Antes do investimento, a Pixeon era uma empresa em fase de crescimento em escala com 35 colaboradores e 120 clientes no país. Hoje, a equipe conta com mais de 300 pessoas, 2 mil clientes, operações no Brasil e na Argentina – um desenvolvimento ancorado em processos de fusão (com a paulista Medical Systems, em 2012) e quatro aquisições de empresas.
As práticas de governança corporativa foram fundamentais para estes processos de fusão e aquisição (M&A) ao longo dos últimos anos, aponta o diretor da Pixeon: “o empreendedor consegue se organizar e passa a ver outros dados, as sinergias operacionais com outras empresas, onde pode dar certo. E nas reuniões com acionistas e conselho discutimos as estratégias: compra a empresa ou faz fusão? Temos pessoas com muito mais experiência em ponderar riscos e fazer as contas, isso foi muito importante”.
No caso da fusão com a Medical Systems, diz Iomani, as decisões foram rápidas e acertadas: “em 90 dias de conversas ficou claro qual era a melhor opção. E 150 dias após o investimento da Intel já veio a carta de fusão com a Medical”. Uma fusão que foi muito significativa não apenas para a Pixeon como também para o ecossistema de tecnologia em Florianópolis.
Em resumo, Ismael recomenda: “é fundamental que a startup tenha uma estrutura administrativa, independentemente do porte, eficiente e alinhada aos propósitos. Hoje em dia, com o apoio da tecnologia, é possível chegar a um nível de governança adequado a cada momento da startup, assim como ter uma gestão financeira alinhada ao processo organizacional e as estratégias da empresa, tudo isso de forma fácil, ágil e com baixo custo”.
A importância da Governança Corporativa em resumo:
1- Estas práticas podem fazer a diferença para a evolução saudável e criação de valor para empresas de alto crescimento;
2- A Governança Corporativa deve ser implementada de acordo com o estágio de maturidade do negócio. Mas desde o início, no momento em que a startup ainda é só uma ideia, precisa fazer parte da cultura dos empreendedores;
3- Precisa atender quatro pilares: estratégia & sociedade, pessoas & recursos, tecnologia & propriedade intelectual e processos & accountability;
*Conteúdo originalmente publicado no portal especializado SC Inova
Fonte: Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IGBC)
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