Já validou seu MVP? Saiba como uma governança correta pode ajudar a captar recursos para sua startup
As startups têm, em geral, três grandes ciclos de vida. No primeiro, elas são formadas apenas pelos sócios, que se dedicam para tirar a ideia do papel e transformá-la em […]
As startups têm, em geral, três grandes ciclos de vida. No primeiro, elas são formadas apenas pelos sócios, que se dedicam para tirar a ideia do papel e transformá-la em um protótipo a ser apresentado ao mercado. No segundo momento, este protótipo – ou produto mínimo viável (MVP) – passa a ser testado por clientes, gerando as primeiras receitas para a startup – se o MVP é validado pelo mercado, é o momento certo para buscar um investidor externo (anjo, pré-seed ou seed) ou programas de incubação e aceleração para que o negócio ganhe escala.
No terceiro momento, a startup vence a chamada “zona da morte” e ganha tração, crescendo no volume de clientes e faturamento, assim como no tamanho da equipe e na necessidade de recursos em outra escala (investimento série A, B) ou mesmo com possibilidade de ser adquirida por uma companhia maior.
Na primeira etapa da Jornada de Governança Corporativa e Contábil para Startups, explicamos como e por que um novo negócio deve se preocupar, desde o momento zero, com determinados aspectos de formalização, gestão e contabilidade, para evitar que desacordos entre sócios e outras questões não relacionadas ao produto final provoque impacto negativo na empresa.
Agora, ouvimos outros empreendedores e especialistas para ajudar as startups que estão no segundo estágio – o de validação – a entender quais os passos corretos, na ótica da Governança Corporativa, para que seu negócio tenha mais chances de captar recursos de investidores e aproveite o potencial de programas de incubação e aceleração – que acabam sendo ótimas vitrines para atração de sócios e expansão/validação no mercado.
Na cartilha que o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) lançou neste ano, recomenda-se que as startups que estejam em fase de validação já tenham registrado um acordo entre os sócios quais são os direitos e deveres de cada participante. Além disso, a entidade preconiza a organização de práticas referentes a potenciais empregados-chave e parceiros estratégicos, além de controles e indicadores básicos para apurar resultados e prestar contas a terceiros – é comum que, nesta fase, os sócios já contem com algum investidor externo, o que muda não apenas a composição societária como exige também passos mais profundos na questão da governança corporativa.
Para Anderson Godzikowski, empreendedor, investidor e membro da comissão de Governança do IBGC, quem está nesta fase da startup precisa cuidar de quatro aspectos fundamentais para o desenvolvimento da empresa.
“O primeiro cuidado é com relação a VALORES: entender o que aceitamos ou não no negócio. É uma questão ética, de princípios e entendimento do que a startup representa para o momento de vida de cada empreendedor. Por isso é fundamental o acordo de sócios (founders agreement) para que todos saibam o grau de disponibilidade e interesse de cada um. Ninguém quer investir em uma empresa que tem sócios desalinhados, que vai gerar lá na frente problemas estruturais”, afirma Anderson, que também é autor do livro Governança e Nova Economia.
O segundo ponto, ele comenta, se refere a EXPECTATIVAS: “qual a velocidade de crescimento que queremos e não queremos? qual a predisposição para pivotar o modelo de negócio?”; em seguida há a questão das ENTREGAS de cada fundador: “cada sócio precisa deixar claro em que área é especialista e irá ficar responsável, assim como aquilo que ele pode se comprometer a entregar”.
Por fim, ele ressalta a importância do CONTROLE, que segue às fases anteriores: “depois que isso tudo foi definido, é preciso saber como a empresa vai se organizar em termos de frequência de reuniões, modelo jurídico, participação de cada um… se há dedicação e entregas diferentes, isso deve ser espelhado na divisão de cotas”.
Investidor experiente, ele já participou de aportes em mais de 20 startups, em várias faixas e diferentes veículos – é membro do grupo Curitiba Angels, cotista do HiCapital/Ebanx e gestor de um fundo próprio, GoodzCapital, além de participar do conselho de um grande fundo de investimentos – ele criou um board canvas para auxiliar os empreendedores na questão de governança e está baseado em quatro quadrantes com os aspectos destacados acima. “O modelo do board canvas (disponível aqui) é mais importante que o pitch deck (apresentação da empresa aos investidores)”, ressalta.
Para Ismael Silva, empreendedor e cofundador da Softcon Contabilidade, na fase validação do produto e início de contato com investidores, “a empresa já precisa ter formalizado os interesses e expectativas (direitos e deveres) dos sócios para que possa evoluir com a “dose de remédio” de Governança no nível adequado ao seu estágio de desenvolvimento. Isso é fundamental para adequar controles internos e indicadores mínimos para o relacionamento com clientes e parceiros e isso ajuda a empresa a crescer, dá credibilidade também junto a investidores”, resume.
Ele ressalta que certos aspectos jurídicos – como distinguir o patrimônio da pessoa física com a jurídica e formalizar contratos com clientes – se faz obrigatório nesta fase de validação da startup.
NA PRÁTICA: OS DESAFIOS E PIVÔS DE UMA STARTUP EM CRESCIMENTO
Para os empreendedores que dedicam praticamente todo seu tempo para a construção de um negócio e buscam a validação por parte do mercado, muitas dessas boas práticas de governança sequer eram conhecidas. A engenheira Paula Lunardelli, fundadora da construtech Prevision – que desenvolveu um software de gestão visual de obras e simula impactos físicos e financeiros – lembra que, no começo da empresa, cada sócio tinha uma função diferente da que exerce hoje.
“No papel, eu era diretora de marketing, mas estava fazendo uma função típica de um CEO, próxima tanto de parceiros quanto de clientes. Só depois que começamos a ter um relacionamento com investidores é que percebemos isso – nos reposicionamos de maneira que eu fiquei mais próxima à área comercial e meu sócio Yan Bedin, por exemplo, ficou dedicado à direção operacional e de produto”. O outro fundador da empresa (que começou com o nome de Welob) é o diretor de tecnologia Thiago Senhorinha Rose.
Funções a parte, ela comenta que o entrosamento entre os sócios não mudou, tampouco o apetite de possíveis investidores no potencial do projeto. Na primeira apresentação que o grupo fez para a Rede de Investidores Anjo (RIA), na Acate, 10 dos 20 participantes se mostraram interessados em investir naquela ideia. O problema, ressalta Paula, é que a startup sequer tinha um plano de investimentos, elemento considerado chave para muitos que aportam dinheiro em empresas nascentes. “Fomos transparentes com os investidores: temos perspectiva e mercado mas não sabemos onde alocar os recursos. Isso foi feito em conjunto com os mentores”, comenta.
Ao todo, a Prevision captou recursos com 15 investidores e montaram um board com o líder das negociações pelo RIA, o empreendedor Fabio Ferrari, e mentores como Ramon Deschamps e Miguel Rivero, que tinha acompanhado a startup durante o processo na incubadora Miditec, em Florianópolis. Desde o primeiro investimento-anjo – definido em novembro passado e reforçado por uma segunda rodada em meados deste ano – a Prevision viu seu faturamento crescer quatro vezes e a equipe saltar de 5 para 19 pessoas. Em outubro, inaugurou um espaço próprio com capacidade para suportar o desenvolvimento do time e do volume de clientes.
COMO UM ECOSSISTEMA PODE BENEFICIAR STARTUPS EM FASE DE VALIDAÇÃO: O APOIO DE INCUBADORAS E ACELERADORAS
Um momento de mudança, em termos de maturidade e governança, foi ter passado pela metodologia – e as exigências – de uma incubadora. “No Miditec, passamos a ter uma visão da importância dos relatórios e da apresentação de resultados, o acompanhamento de mentores e muita coisa mudou com isso, além da proximidade que passamos a ter com investidores”, conclui a empreendedora.
Fundada há 21 anos e gerenciada pela Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), a incubadora Miditec ajudou mais de uma centena de empresas nascentes a crescer e ganhar o mercado de tecnologia por meio de metodologias específicas para startups, apoio de consultores e mentores em diversas áreas (contabilidade e finanças, gestão, marketing, comunicação, recursos humanos etc.) e, mais recentemente, com o surgimento de rede de investidores, novos programas de desenvolvimento empreendedor com os quais está conectado (LinkLab, StartLab) e do modelo de aceleradoras.
Na visão de Gabriel Sant’ana, diretor executivo da Acate e coordenador do Miditec, as startups que ainda precisam vencer essa fase de match com o mercado precisam, necessariamente, “ter analisado a tributação correta para seu modelo de negócio, senão vai perder dinheiro no curto prazo, além de papéis e responsabilidades do sócios. Porque senão quando entram os recursos começam os problemas”.
Outros pré-requisitos fundamentais nesta fase, segundo ele, “é que os sócios tenham foco no negócio. Não adianta querer criar uma startup no tempo que sobra entre o outro trabalho e a vida particular, já percebemos aqui no Miditec que isso não dá certo. Também é importante que a validação do produto seja real, com mercado, não apenas perguntando para um amigo se ele compraria”, reforça.
Para o coordenador da incubadora, “quem tem um ou mais clientes vai aprendendo com ele, e vai adaptando o modelo para tracionar”. Neste processo, além do apoio do ecossistema, os empreendedores aprendem muito entre si, trocando experiências. Gabriel lembra de algumas startups que se desenvolveram de maneiras muito distintas – “algumas fizeram um rodízio de áreas com todos os sócios, outras já tinham uma divisão bem clara da função de cada um. O importante é que elas estejam dedicadas ao negócio e entendam o que pode funcionar de acordo com cada perfil e mercado”.
“Ao longo dos anos, poucas vezes vimos startups não darem certo em função do produto, mas observamos dificuldades enormes em função da falta de alinhamento entre os sócios, a ponto de invalidar a empresa. Se o time está alinhado e vai bem, podem pivotar ao longo do caminho que as chances da startup dar certo são boas. Essa preocupação com o nível de governança dentro do estágio de desenvolvimento é o que procuramos passar às incubadas”, reforça Ismael, da Softcon, que atua também como consultor do Miditec na área contábil.
Mais do que gerar sustentabilidade para novas empresas – o que é um fator fundamental para gerar empregos, renda e inovação para o país – o investidor Anderson Godzikowski acredita que a preocupação dos novos empreendedores com os princípios de governança corporativa têm impacto muito além dos negócios.
“A governança é um guarda-chuva que tem vários princípios. Entre eles as questões éticas. Se formos analisar de maneira mais ampla, uma das deficiências da nossa sociedade em geral é fazer negócio no ‘jeitinho’. Tem que fazer de maneira correta e para isso precisamos nos mobilizar, evitando trazer para o ecossistema de inovação os mesmos vícios que vemos em outros negócios e que minam a credibilidade e a relação de confiança”, reforça.
Conteúdo originalmente publicado no Portal SC Inova: http://bit.ly/2D5VD0g
- Artigos