Além da “Ilha do Silício”: como Santa Catarina está levando fábricas de startups ao interior
SÃO PAULO – Muitos associam a economia de Santa Catarina ao turismo gerado por suas praias – mas o estado está surfando uma onda diferente nas últimas décadas: a das startups.
A representatividade da tecnologia no faturamento estadual já representa quase o dobro da média nacional. Com apenas 1,1% do território nacional e 3,4% da população brasileira, Santa Catarina é o quarto estado com maior faturamento em tecnologia. Fica atrás apenas de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Mesmo entre esses estados, Santa Catarina teve o maior crescimento no número de empresas de tecnologia durante o período de 2015 a 2019.
A alta foi de 11,8%, levando a mais de 12 mil o número de empresas de tecnologia catarinenses. No mesmo período, a quantidade de empresas no setor de tecnologia caiu 8,5% no acumulado brasileiro. Boa parte dessas companhias são startups – negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos.
Florianópolis tem a maior densidade de startups por mil habitantes no país – são cinco empreendimentos do tipo para cada mil habitantes. Mas as startups de Santa Catarina não ficam mais restritas apenas à “Ilha do Silício”. Blumenau (no Vale do Itajaí) e Joinville (no norte) também estão entre as dez cidades brasileiras com maior densidade de negócios escaláveis, inovadores e tecnológicos.
O próximo passo é fazer startups de outras regiões do estado – como oeste, serra e sul – ganharem relevância e provocarem a criação de mais empreendimentos do tipo. Com apoio de instituições acadêmicas e públicas, cada localidade está criando suas próprias iniciativas de fomento à inovação. O InfoMoney conversou com fundadores de empresas de tecnologia em cada região de Santa Catarina para traçar um panorama do fomento à inovação no estado.
1970 e 1980: indústria e informática
Os dados apresentados acima são da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate). Seu presidente, Iomani Engelmann, explica que as startups de Santa Catarina têm como embrião o atendimento às indústrias espalhadas pelo estado.
Nas décadas de 1970 e 1980, empresas de informática passaram a fornecer soluções como gestão e folha de pagamentos para a indústria. É o caso, por exemplo, de Datasul (1978) e Betha (1985). “Aproveitar o arranjo local das indústrias pode ser um caminho de menor risco e com colheita mais rápida de resultados. A carteira de potenciais clientes já existe”, diz Engelmann.
A Betha fornece softwares de gestão pública para mais de 3 mil clientes, em 800 municípios brasileiros. São prefeituras, câmaras de vereadores, fundações, autarquias, escolas e empresas estatais de saneamento. O negócio cresceu 8,1% em 2020, e espera expandir 25% em 2021. “A história da tecnologia no estado – ou informatização, como chamávamos na época – mistura-se com a da Betha. Ainda não havia incentivo à tecnologia, que era concentrada em pouquíssimas empresas, e havia limitações no próprio desenvolvimento de soluções. Começamos alugando computadores para prefeituras que tinham dificuldade para comprá-los”, conta Aldo Garcia, CEO da Betha.
“Com o barateamento dos equipamentos, cresceu a demanda por softwares de administração. Vimos mais empresas de tecnologia surgindo nos últimos 15 anos, algumas até de antigos funcionários da Betha. Fica difícil decidir qual produto ou serviço adquirir hoje.”
Compufour Zucchetti (1995) e NDD (2004) foram criadas nas décadas seguintes, mas seguem a tradição das empresas de informática. A Compufour Zucchetti fornece um software de gestão fiscal para 40 mil micro e pequenos empreendedores, por meio de 1,7 mil canais de distribuição e assinaturas mensais. Seu CEO, Wagner Muller, conta uma história parecida com a da Betha. Ele gostava de programar e começou como office boy na empresa, para acessar computadores e testar códigos nas horas vagas. Após promoções, compras de participações e saída dos sócios-fundadores, Muller tornou-se CEO em 2017.
“Era uma empresa de informática no começo, não de tecnologia. Começamos a vender equipamentos e a fornecer suporte técnico para as empresas da agroindústria. Um computador custava cerca de 45 salários mínimos, então o desenvolvimento de software entrou apenas como um hobby. Não havia demanda, usávamos apenas para controle interno”, diz Muller.
As vendas de sistemas de gestão fiscal começaram a partir de 1995, com a participação em feiras de informática, como a Fenasoft. “Só se falava de tecnologia em Blumenau ou Joinville. Florianópolis ainda nem havia entrado no radar. Fomos convidados para preencher espaço, mas vendemos todos os disquetes que havíamos preparado, mesmo sem existir tantos computadores entre micro e pequenas empresas. Vimos a oportunidade de investir na vertical de software, que tinha bem mais escala”, conta o CEO.
A vertical de venda de equipamentos foi descontinuada em 2001. Apenas em 2020, a Compufour mediou R$ 26 bilhões em emissões de notas fiscais. Em outubro do último ano, a Compufour foi vendida para o grupo italiano Zucchetti, em uma transação avaliada em R$ 100 milhões. A Zuchetti fornece softwares para 400 mil micro e pequenos empreendedores em países como Alemanha, Espanha, Estados Unidos, França e Suíça. Agora, a Compufour Zucchetti espera crescer na ordem de dois dígitos em 2021.
A NDD também começou vendendo equipamentos de informática, em 2004, mas logo passou para o gerenciamento de impressoras e documentos. Anos depois, a NDD focou no segmento de processamento de documentos fiscais eletrônicos, apoiada pelo surgimento da NFe.
A empresa processa e controla 1,2 bilhão de documentos fiscais para 20 mil empresas. Recentemente, expandiu para a digitalização de documentos de transporte, como guias de fretes.
A NDD cresceu 13% em 2020, e espera repetir a taxa em 2021. “Tínhamos uma forte indústria madeireira. Depois veio a agricultura. Depois ainda, o comércio. Era uma loucura abrir uma empresa de tecnologia em 2004. Mas a situação mudou, e até a impressão virou digitalização. Temos sempre de pensar nas futuras necessidades dos clientes. Várias empresas de tecnologia surgiram ao nosso redor, inclusive criadas por ex-funcionários”, diz Raphael Serrana, diretor executivo da NDD.
1980 em diante: a Ilha do Silício
Florianópolis inaugurou o primeiro caso de fomento artificial ao segmento de tecnologia em Santa Catarina – não mais para atender indústrias próximas. “Professores entenderam que as universidades da região, como a UFSC, formavam uma boa mão de obra em tecnologia. Mas os alunos não viam oportunidades de trabalho, em uma ilha sem indústrias, e partiam para o Sudeste”, diz Engelmann.
A primeira geração de empresas de tecnologia da ilha pode ser vista pela Dígitro (1977) e pela Softplan (1990). Em 1986, entidades acadêmicas, iniciativa pública e iniciativa privada criaram o Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta). A incubadora de empresas em estágio inicial e de cunho tecnológico abrigou mais de 100 projetos desde então.
Apoiadas pelo barateamento do desenvolvimento tecnológico, outras iniciativas de fomento ao empreendedorismo surgiram, assim como uma nova geração de empresas de tecnologia. Focadas em grandes e velozes taxas de crescimento, tais organizações faziam parte do movimento de startups.
Florianópolis acumula casos de sucesso, como a startup de marketing digital RD Station (2011), que inspiraram mais pessoas a criarem negócios inovadores. “A tecnologia é uma das poucas vocações econômicas possíveis para a ilha de Florianópolis que não dependem da sazonalidade, característica do turismo, ou da condição de capital do estado para os serviços públicos”, diz Engelmann.
Uma série de entidades de apoio e uma comunidade de empreendedorismo na qual todos se conhecem renderam comparações entre Florianópolis e o Vale do Silício, nos Estados Unidos. Por isso, a capital catarinense foi apelidada de Ilha do Silício.
Conheça os novos criadores de startups
A história da Ilha do Silício é conhecida e a região da Grande Florianópolis ainda é a mais representativa para a tecnologia de Santa Catarina, com 32,5% das empresas catarinenses no segmento.
O desafio atual de Santa Catarina é replicar o método que criou o ecossistema de empreendedorismo tecnológico em Florianópolis pelo resto do estado. “A descentralização é sadia para fomentar um equilíbrio de desenvolvimento pelas regiões e evitar um processo migratório para o litoral. Não é preciso estar em uma grande cidade para trabalhar com tecnologia”, diz Engelmann.
A Acate representa a indústria desde 1986, mesmo ano de fundação do Celta. O governo estadual tem a Acate entre as parceiras para nove centros de inovação espalhados por Santa Catarina – prédios fornecidos pelo próprio governo estadual e que abrigam iniciativas públicas e privadas de empreendedorismo. Outros três estão em construção, e mais três em fase de projeto.
“Mapeamos a maturidade de cada região e qual tipo de programa ela pode absorver. Não adianta criar um fundo de capital de risco local se não existem empresas para receber o dinheiro”, explica Engelmann. A Acate elenca quatro conjuntos de iniciativas, com maturidade crescente: competições tecnológicas e encontros (hackatons e meetups); programas de incubação e aceleração; investimento anjo; e, finalmente, fundos de capital de risco locais e iniciativas de conexão com grandes empresas.
O Vale do Itajaí, por exemplo, fica próximo a Florianópolis e já tem Blumenau como carro chefe em termos de empreendedorismo escalável, inovador e tecnológico. A região vem logo depois da Grande Florianópolis, em termos de concentração de empresas de tecnologia – tem 27,4% das companhias no estado. O norte vem logo depois, com 18,7% de participação, e tendo Joinville como destaque.
Mas ainda existe o desafio de levar o movimento de startups para outras cidades do Vale do Itajaí e do norte do estado. Jonatan da Costa, fundador da startup que gere centrais de negociação comercial Área Central, lista algumas iniciativas de fomento ao empreendedorismo tecnológico em Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí. A cidade tem cerca de 70 mil habitantes e está a cerca de 100 km de Blumenau.
A Área Central atende 190 redes, responsáveis por oito mil unidades de negócio. As unidades se unem e conseguem negociar preços melhores com fornecedores – por exemplo, filiais de supermercados podem se agrupar para conversar com a gigante de bens de consumo Unilever. A startup cresceu 25% em 2020, e espera expandir 61% em 2021.
A Área Central surgiu a partir de outro negócio do empreendedor, uma empresa de serviços digitais chamada Área Local. A Área Local passou por uma incubação na Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (Unidavi) em 2004. Em 2012, um investimento anjo de R$ 150 mil transformou um projeto de rede interna para gestão de compras na nova empresa.
A Área Central participou cinco anos depois do Startup SC, programa de capacitação do Sebrae em parceria com o Governo do Estado de Santa Catarina. Em 2018 e 2019, o empreendedor trouxe duas edições do Startup Weekend para Rio do Sul. O Startup Weekend é uma mistura de hackaton e meetup. Durante um final de semana, empreendedores formam grupos para criar projetos de negócio.
A iniciativa mais representativa para startups em Rio do Sul é o Centro de Inovação Norberto Frahm. O espaço de coworking e confraternizações empreendedoras foi criado em 2019, no encontro dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste. A região é considerada o berço da inovação do Alto Vale do Itajaí, servindo de tribos indígenas até balsas para transporte de madeira. A Vila de Bella Aliança se formou ao redor dos rios – e depois trocou seu nome para Rio do Sul.
O Centro de Inovação Norberto Frahm foi criado pela UNIDAVI e pela Associação Empresarial de Rio do Sul (ACIRS) para se tornar “um grande polo de inovação, desenvolvimento e empreendedorismo”, segundo o próprio site do centro. Além de CEO da Área Central, Costa é diretor de inovação na ACIRS. “O centro hoje funciona junto da associação e da universidade, mas conseguimos orçamento para construir um prédio exclusivo em breve. Já temos um núcleo de inovação, provando que a criação de startups em Santa Catarina vai além de Florianópolis ou Joinville”, diz.
Já o oeste de Santa Catarina concentra 10,6% das empresas de tecnologia do estado. A região foi a que mais cresceu sua participação percentualmente no período de 2015 e 2019, adicionando 27,7% empresas de tecnologia no período.
Concórdia tem 75 mil habitantes e é conhecida por abrigar agroindústrias, como a fábrica da BRF. Nos últimos anos, surgiram startups focadas nesse segmento – assim como as primeiras empresas de tecnologia catarinenses surgiram para atender as indústrias no seu entorno. A Compufour Zucchetti, por exemplo, surgiu em Concórdia.
A menos de 100 quilômetros está Chapecó, com pouco mais de 200 mil habitantes. Uma das startups de Chapecó é a PackID. A empresa faz o monitoramento em tempo real de temperatura e umidade para produtos perecíveis, como alimentos e medicamentos. A PackID atende mais de 50 clientes. O negócio dobrou de tamanho em 2020 e espera repetir a proporção em 2021.
A PackID começou em 2016, a partir de um aporte financeiro do Sinapse, programa de pré-incubação promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) em parceria com o Sebrae de Santa Catarina. Depois, a Pack ID participou de diversos programas de incubação e aceleração, como Inchtec (Unochapecó), InovAtiva (Ministério da Economia e Sebrae), BioStartup Lab (Biominas e Sebrae), ACE Start e ACE Growth. O negócio também recebeu aportes dos fundos GV Angels e WE Ventures.
Caroline Dallacorte, engenheira de alimentos e CEO da PackID, está escrevendo uma tese de doutorado sobre o desenvolvimento do ecossistema de inovação da região de Chapecó. “Inauguramos recentemente o Parque Científico e Tecnológico da Unochapecó. Agora precisamos mostrar mais resultados e criar iniciativas como as aproveitadas pela PackID em regiões mais afastadas do estado. Vejo pessoas que têm ideias, mas precisam de mais suporte”, diz Caroline.
“Estamos desenvolvendo nos últimos cinco anos esse modelo de empreender assumindo mais risco, com metodologia consagrada e tendo como objetivo crescimento e posterior venda. A mudança de mentalidade ainda tem de acontecer nas empresas e nas populações das cidades menores do oeste catarinense – os colonos braçais têm de abraçar a inovação. Iniciativas de empreendedorismo ajudam a transformar essa cultura”, completa Muller, da Compufour Zucchetti.
Além do oeste, outras regiões viraram promissoras para iniciativas de empreendedorismo tecnológico. Levando em consideração apenas os anos de 2018 e 2019, as zonas com maior crescimento em número de empresas de tecnologia foram serra (+12,5%) e sul (+12,3%). Mas também são as regiões com menor representatividade absoluta em tecnologia, concentrando 10,8% das companhias catarinenses no segmento.
A serra catarinense abriga players tradicionais, como a NDD, mas agora também as startups. Uma delas é a ilergic, aplicativo lançado em 2018 que leva orientações alimentares para pessoas com alergias e intolerâncias. O usuário configura seu perfil, escolhendo entre mais de 200 restrições, e pode escanear códigos de barra com a câmera do celular. O algoritmo da ilergic analisa componentes de cerca de 55 mil produtos e fornece o risco de consumo para cada usuário. O aplicativo tem 13 mil usuários cadastrados, 7% deles ativos mensalmente. O negócio investirá em interações sociais e na criação de perfis corporativos ao longo de 2021, com o objetivo de chegar a 50 mil usuários e 15% deles ativos.
O negócio está em Lages, cidade com cerca de 150 mil habitantes. “Cinco anos atrás, a região praticamente não tinha um ecossistema de startups”, diz Vitor Kuster, CEO da ilergic. Algumas primeiras iniciativas mencionadas pelo empreendedor são a MIDILages, incubadora da Universidade do Planalto Catarinense, e o Centelha SC, vertical catarinense do programa de subvenção econômica e networking do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Kuster levou o Startup Weekend para Lages em 2019, após ter participado de uma edição em Concórdia. Em 2020, a ilergic foi incubada no Orion Parque Tecnológico, um complexo recém-inaugurado para abrigar empresas de tecnologia na serra catarinense. O espaço de incubação, coworking e networking já forneceu suporte para 50 empresas e possibilitou que a ilergic participasse de uma apresentação para a gigante alimentícia Danone Nutricia.
“Houve uma articulação entre entidades públicas e associações comerciais para que se construísse um centro de inovação, após aprendizados em Florianópolis e Joinville”, diz Kuster. O Orion Parque Tecnológico tem sua manutenção e programas cobertos por editais, que contam com participação pública e privada. “O povo serrano tinha receio de empreender, mas ganhamos confiança e referências por meio de iniciativas como o MIDILages e o Orion Parque. Era um desafio receber apoio, e hoje as pessoas procuram a incubação para novas empresas. Tenho visto isso principalmente a partir de 2018”, afirma Serrana, da NDD. “Precisamos agora de mais engajamento da comunidade, o que provavelmente virá depois de um caso de sucesso. O ecossistema ainda é muito novo”, complementa Kuster.
Já no sul, o embrião das empresas de tecnologia foi a Betha. De 2018 para cá, a região tem visto startups como a Nextfit. A sede tanto da Betha quanto da Nextfit é Criciúma, cidade com pouco mais de 200 mil habitantes.
A Nextfit fornece um sistema de gestão de avaliações físicas, clientes e pagamentos para mil academias e 2,5 mil profissionais de treino. Douglas Waltricke fundou a startup em 2018. O engenheiro de computação treina há dez anos e sempre recebeu perguntas sobre se conhecia um bom sistema de gestão para academias. “Onde tem gente reclamando, tem problema. Onde tem problema, tem oportunidade”, diz. A Nextfit dobrou seu número de academias atendidas em 2020, recuperando o movimento a partir de agosto com investimentos em marketing, vendas e recursos como um botão de pagamento para treinos online. Em 2021, o objetivo é quintuplicar o número de academias atendidas.
“Criciúma é um polo de carvão e cerâmica. As startups começaram a ser comentadas por volta de 2019, conheci mais sobre esse universo só depois de fundar a Nextfit. É um movimento bem incipiente, mas já temos algumas iniciativas, como um espaço de coworking e uma incubadora universitária”, diz Waltricke.
O próximo passo em Criciúma é criar as próprias startups maduras. Atualmente, o aprendizado vem das conversas com empreendedores de Florianópolis. “Temos um grande potencial. Isso porque estamos bem localizados, a meia hora do mar e a uma hora da serra catarinense. Contratamos pessoal das duas regiões, unindo uma cultura tradicional de fidelidade e empreendedorismo de entrega a uma cultura mais aberta para mudanças e com foco no resultado”, completa Garcia, da Betha.
Startups em SC têm potencial, mas também desafios
Um sinal de maturidade para qualquer ecossistema de empreendedorismo tecnológico são os eventos de liquidez – quando os fundadores conseguem sair de suas startups com recursos, prontos para criar um novo negócio ou fomentar outros empreendedores por meio de investimentos. Esses eventos de liquidez são conhecidos como saídas (exits).
Segundo Engelmann, Santa Catarina já viu saídas importantes: a Datasul foi vendida para Totvs em 2008, enquanto Neogrid e Intelbras realizaram ofertas públicas inicias de ações (IPOs) em 2020 e 2021, respectivamente. “Os eventos de liquidez para empresas de tecnologia faltavam não apenas no estado, mas em todo o Brasil. São um pilar importante para o desenvolvimento do setor”, diz o presidente da Acate.
Outro potencial está na conexão com grandes corporações – o que vem da histórica relação entre as empresas de tecnologia e as indústrias de Santa Catarina. “Temos empresas como Ambev e Klabin no estado, que constroem iniciativas de inovação. Vemos oportunidades de acesso a corporações, como a participação em hackatons“, diz Kuster, da ilergic.
Mesmo com esses benefícios e com fortes comunidades empreendedoras, os empreendedores catarinenses ouvidos pelo InfoMoney listam alguns desafios para a popularização e o amadurecimento das startups locais.
Um primeiro desafio é incluir disciplinas relacionadas às startups no currículo das universidades. “Temos cursos de programação, mas não existem disciplinas focadas em experiência do usuário, design de produto ou vendas digitais. É um desafio encontrar esses profissionais” diz Kuster. “Sinto falta de cursos de curta duração em áreas visadas por startups, como growth e inteligência artificial. Precisamos contratar profissionais nessas áreas”, completa Caroline, da PackID.
Outro obstáculo é a captação de investimentos de capital de risco. “O networking ajuda muito para captar uma rodada com anjos e fundos, e ele é intenso nas capitais. Nós demoramos relativamente para conseguir um aporte – foram quase três anos para um seed. Em uma capital, teria sido mais rápido”, diz Waltricke, da Nextfit. “Existem poucos investidores e mentores regionais para as startups. As entidades de apoio nos ajudam na conexão com profissionais externos, e a pandemia tornou comum o networking por encontros virtuais. Mas temos de evoluir localmente”, completa Kuster.
Mais um desafio afeta todas as startups de menor porte, e foi intensificado durante a pandemia: a disputa por mão de obra, especialmente em tecnologia. “Retenção de talentos é um desafio especialmente para as empresas de menor porte alcançarem o sucesso. As startups captam recursos muitas vezes para fazer contratações”, diz Aldo, da Betha. As startups do interior de Santa Catarina competem com salários maiores oferecidos por metrópoles como Florianópolis, São Paulo ou Rio de Janeiro – sem falar nas remunerações de startups nos Estados Unidos ou na Europa.
A solução encontrada pelos empreendedores está em promover a qualidade de vida no estado como diferencial. Outra estratégia é criar mais profissionais, por meio de treinamentos in company. Ainda que até mesmo as menores cidades de Santa Catarina tenham universidades com cursos na área de exatas, a demanda supera a oferta de profissionais. Existem também adultos formados em outros cursos, mas que gostariam de começar na programação.
A capacitação interna é uma realidade constante nas empresas de tecnologia mais antigas de Santa Catarina. Compufour Zucchetti e NDD têm academias de programadores próprias. “A maior parte dos funcionários é formada em casa. Completamos o restante com funcionários remotos ou com serviços terceirizados por cooperativas e software houses”, diz Muller, da Compufour Zucchetti.
Já a NDD firmou uma parceria com o Senac e criou a própria academia de programadores. Os alunos são funcionários atuais ou pessoas que desejam trabalhar com programação, possivelmente na NDD. “Suprimos a nossa demanda e, ao mesmo tempo, ajudamos no crescimento econômico da serra catarinense. Vamos construir nossa nova sede do lado do Orion Parque Tecnológico. Temos 480 funcionários e pretendemos triplicar o quadro nos próximos cinco anos”, diz Serrana.
Ainda que tenham menos funcionários, as startups também estão investindo em capacitações. “Temos um programa de treinamento para pessoas que moram na região. Temos casos como filhos de agricultores, que entram para a tecnologia e acabam se dando muito bem”, diz Costa, da Área Central. Waltricke, da Nextfit, também criou um programa para recolocação profissional. “Temos muitas joias brutas em Criciúma, e a fórmula de ensinar tem funcionado. Pescamos bons profissionais em mercados saturados, como direito, olhando para características como comportamento e resiliência”.
Um último desafio para as startups catarinenses é desenvolver um olhar global. “Por termos muitas empresas, é natural querermos atendê-las. Pelo tamanho da população, muitas empresas se satisfazem abastecendo apenas o Sul e o Sudeste do Brasil. Mas é preciso ter a noção de que o mercado pode ser o mundo”, diz Engelmann, da Acate.
A mentalidade global é uma característica de Israel, por exemplo, país que criou sucessos como o Waze e concentra a maior densidade de startups do mundo. Mas Engelmann diz que a inspiração está ainda mais perto, na vizinha Argentina.
“Um mercado consumidor pequeno permitiu um olhar mundial desde o primeiro dia para suas startups. O Mercado Livre é o melhor exemplo”. A ligação entre os argentinos e Santa Catarina pode ir muito além do turismo – assim como a própria economia do estado.
*Fonte: InfoMoney.