Entrevista com Sérgio Rezende, ministro da Ciência e Tecnologia
Jornal do Commercio: O senhor já está a frente do Ministério da Ciência e Tecnologia há quanto tempo?
Sérgio Rezende: Desde julho de 2005. Mas já estou cansado. Essa vida fora de casa, viagem demais, cansa muito. Antes do ministério eu estava na Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). Minha mulher disse que eu abandonei o lar há seis anos. Entrei na Finep quando o ministro da Ciência e Tecnologia era Roberto Amaral (2003-2004). No ano seguinte Eduardo (Campos) assumiu e foi quando o ministério começou a mudar bastante porque Eduardo, com toda a capacidade e energia que tem, fez um trabalho de planejamento estratégico e o ministério passou a ter uma política bem abrangente. Quando assumi o ministério procurei consolidar essa política. Com o início do segundo mandato (do presidente Lula), com base nessa política, nós fizemos um plano de ação em ciência e tecnologia que tem quatro linhas de ação: expansão e consolidação do sistema nacional de ciência e tecnologia, promoção e inovação tecnológica das empresas, pesquisa, desenvolvimento e inovação em áreas estratégicas, e ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento social. São quatro prioridades divididas em 21 linhas de ação e 87 programas. Esse é um plano do Governo Federal e tem uma estimativa de 41 bilhões de reais. O presidente Lula chama ele de o "PAC da Ciência".
JC: O senhor sofreu, recentemente, um corte expressivo no orçamento do seu ministério.
Rezende: Sim. Todos os anos, a Ciência e Tecnologia só recebe propostas de aumento do orçamento. Mas dessa vez, dois dias antes do último dia para votar o orçamento do ano passado, o relator apresentou seu relatório cortando um bilhão e meio de reais de um orçamento de seis bilhões. É um corte maior do que o orçamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). E o relator é o senador Delcídio Amaral (MS) do Partido dos Trabalhadores. Eu já não falo para imprensa, falo muito pouco, mas respondendo a um telefonema do jornal Folha de S. Paulo, eu disse: "O relator foi irresponsável com o futuro do Brasil". Ele escreveu uma carta ao jornal dizendo que eu estava mal informado, que o orçamento tinha sido recomposto, mas o que aconteceu é que ele cortou um bilhão e meio de reais e colocou no projeto mais 500 milhões de emendas de parlamentares. Ele disse que, na verdade, só cortou um bilhão. Mas do nosso projeto foi um bilhão e meio. Porque as emendas são importantes mas, em geral, são para ações junto às bases dos parlamentares. Se fosse aditivo ao (orçamento) MCT estava ótimo. E o mais grave é que ele cortou 200 milhões de reais de bolsas do CNPq. Quando eu soube do relatório liguei imediatamente para o ministro Paulo Bernardo (Planejamento). Em geral, os relatores combinam com o Governo o que vão fazer.
JC: As emendas parlamentares destoam muito das prioridades definidas no orçamento pelo ministério?
Rezende: Não podem destoar muito, do contrário não poderão sequer ser colocadas. Em geral há grandes emendas, as de bancada, voltadas para parques tecnológicos, que chegam a 20 ou 30 milhões de reais. Os deputados colocam para inclusão digital, centros de inovação tecnológica, arranjos produtivos locais… Agora, colocam isso e tiram de bolsa do CNPq. É uma coisa muito errada. Mas voltando para a conversa que tive com o ministro Paulo Bernardo, ele telefonou para Delcídio, e diante do argumento do relator de que não podia alterar seu relatório, porque não daria tempo para a aprovação no prazo estabelecido, eles fizeram um acordo. Criaram um artigo novo com uma receita nova proveniente de vendas de ativos da rede ferroviária federal. Previram uma receita de dois bilhões e meio de reais. Então já tem uma recomposição, pelo decreto que o presidente assinou, de 510 milhões de reais, mas há disposição da área econômica de nos próximos meses fazer a recomposição do restante. Agora, as bolsas do CNPq são sagradas. Não tem perigo de faltar dinheiro para elas. Mas estamos tranquilos com a execução do plano porque temos a palavra do presidente. Aliás, o aumento do orçamento do MTC só ocorreu por conta disso.
JC: O próprio formato de costura do orçamento precisa de uma reformulação em sua avaliação?
Rezende: Acho que sim. Do jeito que é feito, em que o relator apresenta o relatório dois antes do último dia da votação! Tem alguma coisa errada. A tramitação não está correta. É preciso maior transparência para que haja tempo de serem tomadas as medidas em eventuais distorções.
JC: O senhor reclama da falta de reconhecimento das ações do Governo Lula nas áreas de Educação e Ciência e Tecnologia. Esse desconhecimento é reflexo de um certo preconceito com o presidente?
Rezende: A mídia não entende porque o presidente tem um percentual tão alto de popularidade. É preconceito sim. Não havia nenhum preconceito com o nosso presidente anterior (Fernando Henrique). Ele era a pessoa mais capacitada intelectualmente, professor da Sorbonne. Mas se tem um Governo que não fez bem à Ciência e Tecnologia e à Educação foi o Governo Fernando Henrique. Todo mundo da comunidade (científica) sabe disso. O orçamento do MCT era pequeno comparado com o de agora. Mas Fernando Henrique se achava o dono da verdade.
JC: Talvez o Governo Lula falhe também na comunicação do que ele está fazendo nessas áreas.
Rezende: Pode ser. Mas deixa eu contar algo que mostra que é mais do que isso. No último dia 03, eu e o ministro Fernando Haddad (Educação) convocamos uma coletiva para anunciar o resultado da Olimpíada Brasileira de Matemática na Escola Pública. Foram 18 milhões de estudantes, de 40 mil escolas públicas e de 98% dos municípios do Brasil. É a maior olimpíada de ciência do mundo. Pois bem, não tinha um grande jornal lá. É uma olimpíada feita só para escola pública, os três mil premiados recebem bolsa do CNPq e assistência de 200 censos do Brasil para continuar estudando matemática, então é uma coisa interessantíssima que está ocorrendo na escola pública e o que saiu no dia seguinte nos jornais? Nada, isso não existe! Não é fácil comunicar determinadas áreas. A cultura e educação não são valorizadas no Brasil.