Entrevista com Sergio Rezende: Sistema Brasileiro de Tecnologia
Por que o Brasil precisa de um sistema estruturado de tecnologia?
Sergio Rezende: O Brasil tem um sistema de ciência muito recente. Nós começamos a formar pesquisadores apenas na década de 60. Se a ciência é nova, a inovação das empresas é uma novidade ainda mais recente. As empresas brasileiras são, de maneira geral, muito tradicionais, não há a cultura da inovação. Nos países desenvolvidos, as empresas mais competitivas, atualmente, são empresas de base tecnológica. O pesquisador tem uma ideia, junta com outra, faz o aperfeiçoamento e cria um produto ou um processo. Vamos atrás disso. No Brasil, tem uma área que é muito bem-sucedida na geração de conhecimento e no processo de fazer conhecimento virar riqueza e produto: o agronegócio. Na década de 70, o governo brasileiro criou uma empresa pública – a Embrapa – com essa finalidade: articular a pesquisa e a universidade fazendo com que o processo desemboque em inovação no campo.
O Sibratec é inspirado neste modelo?
S.R.: Sim, o Sibratec tem como inspiração a Embrapa. Tem gente que chama o Sibratec de “a Embrapa da indústria”. Eu gosto dessa analogia. A ideia é fazer para a área industrial e para a área de serviços esse mesmo modelo de sistema.
Para usar uma figura que é recorrente na Esplanada hoje, se a ministra Dilma é a mãe do PAC, o senhor seria o pai do Sibratec?
S.R.: Eu sou pai de três filhos maravilhosos. O Sibratec é uma construção conjunta. Desde o tempo em que presidi a Finep, e que havia na Esplanada um grupo trabalhando na política industrial e tecnológica, que se falava na necessidade de ter a “Embrapa da indústria”. Então, quando nós começamos a inaugurar um plano de ação em ciência e tecnologia, no segundo mandato do presidente Lula, essa ideia foi ganhando corpo. E, na verdade, nós tivemos vários nomes sugeridos. Esse nome fui eu que cunhei, mas depois de debater com muitas pessoas.
E o papel da Finep nesse sistema, qual será?
S.R.: A Finep é absolutamente essencial, porque o ministério tem duas agências: o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que é mais voltado para a pesquisa básica, formação de recursos humanos, e a Finep, que é voltada para o apoio institucional, mas muito direcionada para inovação nas empresas. A Financiadora, portanto, tem o papel de ser o agente financeiro para o Sibratec, seu viabilizador, mas não apenas uma repassadora de recursos. A formação do sistema implica na seleção de entidades, núcleos de pesquisa em todo o Brasil, empresas – e a Finep faz isso muito bem. O Sibratec traz em essência esta característica de articulação.
Existe algum sistema operando no mundo, hoje, que tenha servido de inspiração?
S.R.: O melhor que eu conheço é o sistema alemão, Fraunhofer-Gesellschaft, que tem 58 institutos com características diferentes, cada um voltado para uma ou mais áreas do conhecimento. Estão na interface entre a universidade e a empresa. Alguns institutos do Fraunhofer estão localizados em universidades, mas não pertencem a elas e, sim, ao sistema
como um todo.
Mas lá a iniciativa privada paga?
S.R.: O Fraunhofer obtém seu orçamento, basicamente, de três fontes diferentes, em partes iguais: um terço é do governo por meio de contrato de gestão; um terço é de convênios com as empresas, que contratam os serviços e o desenvolvimento; e um terço do projeto de desenvolvimento que eles ganham em concorrência com todo o sistema, não só do governo da Alemanha, mas de outros governos da União Europeia. É um bom modelo para o Sibratec que, nesta primeira etapa, será financiado apenas pelo Governo.
Qual valor será investido no Sibratec?
S.R.: A primeira quantia que o Governo vai investir é R$ 120 milhões, R$ 40 milhões para cada eixo fundamental, que chamamos “componentes”. Eu tenho a esperança de que o sistema ganhe intensidade de trabalho rapidamente. E desta forma, claro, vai necessitar de mais recursos. Mas esse é o capital inicial.
O senhor poderia falar um pouco mais sobre os três eixos do Sistema?
S.R.: O primeiro, que já está em fase mais adiantada, é o extensionismo. O extensionismo é, no meu entendimento, quando institutos tecnológicos, núcleos universitários organizados na forma de rede prestam assistência tecnológica às micro e pequenas empresas. E assistência tecnológica também é inovação. Nós temos, no Brasil – e eu quero enfatizar isso – um sistema que é quase único no mundo, para apoiar micro e pequena empresa na gestão empresarial, que é o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). E a ideia é que essa rede de extensionismo venha a complementar o Sebrae, e ela entre com o componente tecnológico para aperfeiçoar determinado produto de uma pequena empresa ou para resolver um problema tecnológico que a empresa tenha. Essa é a atividade do extensionismo.
E os outros?
S.R.: A segunda atividade – o segundo conjunto de redes – é voltada para os serviços tecnológicos de qualidade. Eles são importantes porque o Brasil também não tinha a tradição, antes do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), de ter os produtos que são colocados no mercado, com garantia de qualidade. Esse tipo de atividade exige uma rede em todo o País. Finalmente, o terceiro componente é o da inovação. Inovação no sentido mais complexo da palavra, ou seja, você produzir um novo princípio ativo no País; inovação na área de microeletrônica; inovação na área de bioetanol. Isso exige uma atividade de ciência mais densa, o que nos levou à formação de 10 redes de inovação. As áreas já estão identificadas e as redes, gradualmente, estão sendo articuladas.
Então as redes de inovação serão formadas por meio de convites?
S.R.: Sim. Nós preferimos não fazer edital porque o sistema já tem experiência suficiente para, em cada uma dessas áreas, saber quais são os grupos que, realmente, têm competência e experiência, no Brasil, para fazer inovação articulada com a empresa.
Como foi a articulação das redes de serviço tecnológico?
S.R.: A Finep fez um edital de pré-qualificação no ano passado, convocando grupos de pesquisas com experiência de interação com empresas e serviços tecnológicos em 18 áreas, 18 temas, alguns com sub-temas. Recebeu cerca de 800 propostas provenientes de grupos e instituições. E então, para estruturar essa rede, foi feita, aqui em Brasília, uma reunião de dois dias com representantes de todos os grupos pré-selecionados. No momento, a Finep já disponibilizou link para que os coordenadores da rede apresentem os projetos, recebam financiamento e possam se estruturar.
No caso das redes de extensão tecnológica, não houve seleção de instituições nem do Norte, nem do Centro-oeste. Vai haver uma próxima chamada?
S.R.: Na primeira seleção, foram escolhidos apenas 10 estados. Nós queremos ter mais estados. Algumas instituições que apresentaram proposta para o primeiro, mas não atingiram o patamar desejado, estão sendo convidadas a refazer a proposta. Não vai ser outra chamada. É carta-convite para aquelas que tiveram propostas razoáveis apresentadas.
O senhor afirmou que o sistema vai agregar e incorporar experiências que já existem no Brasil. Como isso vai acontecer na prática?
S.R.: Vou dar um exemplo específico de uma rede que chamam de “Tecnologias digitais e mídias” – uma evolução da rede que foi criada para estudar TV digital. É uma rede formada por grupos de pesquisa de vários lugares do Brasil, selecionados por meio de editais que a Finep fez, em 2004. Depois, a Financiadora qualificou esses grupos, que desenvolveram trabalhos sobre os vários componentes da TV digital: modulação, codificação, decodificação, serviços, e assim por diante. Vários se mostraram muito acadêmicos e outros revelaram ser realmente práticos, prontos para desenvolver produtos para a empresa. Então, esses últimos, mais práticos, foram convocados para formar a rede. Há alguns exemplos de entidades novas nas redes. Estamos, por exemplo, acabando de concluir a instalação e construção de um centro de microeletrônica em Porto Alegre, o Ceitec, que vai ser um elemento-chave para a rede de microeletrônica.
E esta é uma das redes de maior destaque…
S.R.: Sim. Nós queremos que a rede de microeletrônica possibilite a criação de inúmeras empresas de eletrônica no Brasil. A rede é formada por projetistas de circuitos integrados, mas ela seria incompleta se não houvesse, no Brasil, um centro capaz de pegar um projeto e fazer o chip. Há equipamentos eletrônicos com grande variedade de aplicações e outros que são apenas uma fonte de alimentação ou um chip. Nós vamos passar a ter isso no Brasil: empresas feitas a partir de uma ideia de alguém que pensa: “eu vou fazer um equipamento que vai fazer isso e aquilo, mas preciso de um chip para tal”.
A ponte entre o conhecimento produzido na universidade ou centros de tecnologia e a empresa é um caminho difícil. Então o “pulo do gato” do Sibratec é esse?
S.R.: Sim. É desenvolver no Brasil o ambiente propício. E esse ambiente exige experiência, conhecimento de todos os lados, para fazer com que o conhecimento chegue a se tornar um produto ou processo novo para gerar riqueza.
E nessa fase de consolidação do sistema, como a iniciativa privada vai participar do Sibratec?
S.R.: Ela vai participar de maneira decisiva. Porque quase toda a rede de inovação foi pensada em áreas onde já há, claramente, uma demanda do lado empresarial. E essa demanda precisa ter eco no ambiente.
Qual perfil o senhor acha adequado para os coordenadores das redes?
S.R.: O coordenador ideal é a pessoa que tenha uma base científica, uma experiência nessa área, não pode ser um iniciante na ciência. Que tenha uma capacidade de articulação, de liderança – porque para ser um coordenador precisa ter liderança aos olhos do grupo mas que já tenha, também, uma experiência em interação com empresa. O Brasil tem muita gente relativamente nova, 40 anos, 30 e poucos, até pessoas com mais idade, que construíram toda uma carreira acadêmica e já com 50 e 60 anos se interessaram em fazer ponte com empresas. Esse é o perfil. Não pode ser só técnico, nem só gestor. Se for só gestor e não tiver experiência científica tecnológica e respeitabilidade, ele não consegue fazer a coordenação adequada.
O senhor acredita que o Sibratec já vai estar consolidado antes da mudança de governo, no ano que vem?
S.R.: Nós temos, hoje, uma situação que eu esperava que estivesse consolidada há um ano. E esse atraso ocorre exatamente pela complexidade que é fazer essa articulação toda. Mas eu tenho esperança de que, até o fim do ano, ele esteja todo implantado, de tal maneira que nós cheguemos em 2010 apresentando resultados. Nossa meta é mostrar que a ciência pode ter uma articulação com organização e sistematização, fazendo com que o conhecimento contribua para o desenvolvimento das empresas.
Revista Inovação em Pauta