Fiesp faz balanço do Sistema Nacional de Inovação
Que mudanças foram observadas no Sistema Nacional de Inovação passados cinco anos da Lei de Inovação?
José Ricardo Roriz – O Brasil tem feito avanços importantes na agenda de inovação do País com a regulamentação da Lei de Inovação e da Lei do Bem. Com esse novo arcabouço jurídico, a interação entre os atores do Sistema Nacional de Inovação se tornou mais favorável e permitiu a implementação de instrumentos de estímulo à inovação já utilizados em outros países e com muito potencial para inserir a inovação no centro das políticas públicas do Brasil. Na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada em maio de 2008, por exemplo, a estratégia de elevar a capacidade de inovação das empresas foi eleita como uma das principais formas de dar sustentabilidade à expansão econômica do Brasil.
Os primeiros resultados da legislação que regulamenta a interação universidade-empresa são muito promissores: no ponto que trata dos contratos de transferência de tecnologia para as empresas, por exemplo, os valores partem de R$ 800 mil, em 2006, para R$ 5 milhões em 2007. Da mesma forma, houve grande adesão por parte das Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) em criar um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) dentro da sua estrutura, conforme disposto na Lei de Inovação: dentre as instituições que enviaram informações ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ano passado (101), aproximadamente 70% já os possuem. Ou seja, a análise isolada dos primeiros resultados da Lei de Inovação é muito salutar, mas é preciso fazer a ressalva de que a receita de royalties não é o indicador ideal para medir o impacto e o retorno da transferência de tecnologia em termos econômicos e sociais. Para tanto, é preciso estabelecer uma metodologia que avalie no médio e longo prazo seus benefícios e estender essa avaliação a todos os mecanismos de apoio à inovação vigentes no País.
Os números positivos listados acima contrastam, por exemplo, com os resultados da Lei de Incentivo à Pesquisa 11.487, que concede incentivos fiscais às empresas que investirem em projetos de pesquisa desenvolvidos por ICTs públicas: desde o início da sua operação, em 2008, apenas nove projetos foram aprovados. A dificuldade de entendimento da linguagem técnica do marco regulatório da inovação tecnológica no Brasil também é considerada um entrave adicional, que dificulta a percepção do que é realmente necessário aos pesquisadores e empresários para transferir tecnologias ou mesmo para desenvolvê-las em conjunto. Somado a isto, ainda persistem problemas de insegurança jurídica no marco regulatório da inovação tecnológica. Não está claro, por exemplo, como deve ser a remuneração dos pesquisadores de universidades que trabalhem em uma empresa em projetos cooperativos, a questão do licenciamento de tecnologia e a repartição de ganhos com os pesquisadores.
Ainda com relação à Lei de Inovação e à Lei do Bem, não está claro o conceito de risco tecnológico e o tratamento que deve ser dado a ele. A necessária reformulação deste conceito deve considerar o risco inerente ao processo de inovação e a possibilidade de fatores não esperados influenciarem negativamente nos resultados. Adicionalmente, também existem problemas técnicos como a incidência de tributação nos recursos de subvenção econômica às empresas, o que vai contra as finalidades do Programa de Subvenção e, além disso, evidencia a falta de articulação entre os instrumentos federais.
Ainda há por parte das empresas uma série de dúvidas sobre a definição de quais dispêndios em pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica feitos pelas empresas serão aceitos pelos órgãos de auditoria e controle da Receita Federal. Outro exemplo bastante ilustrativo de insegurança jurídica foi a interferência do Tribunal de Contas da União (TCU) no edital do Programa de Subvenção Econômica à Inovação 2008 da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), quando não constava no referido edital a possibilidade da empresa ter conhecimento do motivo da desqualificação do projeto e a permissão para recorrer.
Portanto, os primeiros resultados da Lei de Inovação são positivos, mas ainda há muito o que progredir, o que envolve um aprendizado dos gestores, dos órgãos de controle e do próprio Judiciário. Nesse sentido, outro assunto central na discussão do meio empresarial diz respeito à insegurança jurídica no uso da inovação, se fazendo necessário o aprimoramento do marco legal dos instrumentos. Adequações nas leis de incentivo à inovação podem ser realizadas tanto com mudanças em artigos da lei quanto através da complementação de seu marco legal, seja por meio de decretos, portarias ou instruções normativas.
Qual a maior dificuldade que o País encontra para aliar produção científica à atividade industrial?
Roriz – Estimular e fomentar uma maior integração entre universidade e empresa é uma prática comum nos países que mais inovam e foco central das políticas de inovação no sentido de facilitar e estimular a cooperação. Em períodos anteriores, estava consolidada a idéia de auto-suficiência no processo de inovação. Hoje, se admite que o conhecimento esteja em todos os lugares e, por este motivo, é fundamental a prática das diversas possibilidades de parcerias entre os atores do Sistema Nacional de Inovação, que incluem aproveitamento pelas empresas do capital humano formado pelas universidades, o uso de laboratórios, a encomenda de projetos de pesquisa e, de forma mais sofisticada, a atuação conjunta em parques tecnológicos. No Brasil, ainda observamos uma série de desafios para viabilizar esta integração.
Os números da última pesquisa da Pintec/IBGE são bastante ilustrativos: apenas 3% das empresas que implementaram inovações declararam que as relações de cooperação com universidade e institutos de pesquisa são de alta e média relevância; e somente 1,2% dessas empresas utilizava recursos públicos para atividades cooperativas com universidades. Esta baixa integração leva a um descompasso entre produção científica e geração de riquezas. A pesquisa científica no País tem avançado nos últimos anos.
Segundo dados da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (PROTEC), no ano passado, os cientistas brasileiros escreveram 2% dos artigos publicados no mundo, o que coloca o país na 13ª posição, relevante na produção científica. Mas, entre as nações que mais solicitam patentes, o país está em 24º lugar. A produção científica brasileira quintuplicou entre a década de 1980 e a de 2000. Enquanto isso, a da China aumentou 26 vezes. O número de patentes concedidas pelo Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos à China cresceu 55%, os brasileiros caíram 10%. O Brasil forma 1,6 engenheiros para cada 10 mil habitantes, e na China este valor é de 4,6. A persistir este quadro, perderemos espaço na competição internacional. Um dos passos importantes para reverter esta situação é a clara definição da estratégia de longo prazo de inovação, contendo prioridades, metas e estabilidade de recursos.
Seguramente, as oportunidades de cooperação serão ampliadas, preservando o papel das universidades, e, portanto, sem vincular todas as pesquisas ao mercado, mas compreendendo que a empresa é o lócus da inovação e tem como foco o mercado e isto requer que uma importante parcela do conhecimento seja transformada em riqueza.
Também pode contribuir com este processo o aprimoramento, que ocorrerá na medida em que se intensificarem as utilizações, dos marcos legais da inovação, destacando-se a Lei da Inovação, a Lei do Bem e a Lei de Incentivo à Pesquisa. Além disso, é perceptível que há escassez de pessoas nas empresas que saibam dialogar com os pesquisadores das universidades. Há de haver um ajuste entre o que a universidade diz ter como solução para a empresa e o que a empresa percebe como um problema a ser solucionado. Portanto, o que se espera da interação universidade-empresa são iniciativas capazes de auxiliar na elaboração e no desenvolvimento de projetos de inovação tecnológica, e, principalmente, que haja um ajuste entre a demanda tecnológica dos setores industriais e a oferta de conhecimento científico. Este é um trabalho que envolve atividades de prospecção nas bases de dados da academia e, ao mesmo tempo, prospecção direta em empresas para que se tenha um processo eficaz de transferência de conhecimento e de convergência das estratégias.
Um exemplo de atuação articulada entre instituições, e que tem apresentado resultados preliminares muito positivos, é o Programa de Capacitação de Gestores de Inovação na Indústria, realizado no APL de Americana (SP). Numa parceria entre a Fiesp, a Agência USP de Inovação, o Sebrae e a Secretaria de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, esse programa piloto de extensão tecnológica tem por objetivo estimular a realização de atividades de inovação nas empresas industriais paulistas. É um programa pioneiro quanto à percepção da necessidade de informar e capacitar as empresas para o desenvolvimento das atividades de inovação. Ao final do programa, serão contratados pesquisadores, por meio do Programa Rhae do CNPq/MCT, para executar atividades de pesquisa e buscar oportunidades de inovação nas empresas. Isso contribui para criar a cultura da inovação nas indústrias, principalmente nas micro, pequenas e médias. É uma primeira experiência no sentido de se criar programas de extensão tecnológica para capacitar agentes de inovação que atuem dentro das empresas, realizando na prática a integração universidade-empresa.
As linhas de incentivos e financiamentos são insuficientes, uma vez observado o baixo número de empresas contempladas?
Roriz – De fato, o número de empresas que se utilizam de incentivos e financiamento é reduzido, e isto pode ser facilmente identificado com os números da pesquisa Pintec/IBGE: apenas 19% das empresas que inovaram em 2005 declararam ter usado algum tipo de apoio, dentre elas, somente 1,8% das empresas declaravam usar incentivos fiscais para P&D. A utilização de recursos financeiros de origem pública, tanto para incentivos quanto para financiamentos voltados à inovação, também é reduzida.
Conforme pesquisa realizada pela Fiesp, do total de investimentos em Inovação e P&D realizados pelas indústrias paulistas em 2008, seja em financiamentos ou incentivos, apenas 11% tiveram como fonte os recursos públicos. Somente 5% dos investimentos em inovação e 6% em P&D. Em parte, isso se explica pelo desconhecimento: a principal conclusão da Sondagem Fiesp sobre as necessidades de inovação na indústria, realizada junto a empresas do Estado de São Paulo em 2007, foi de que há desconhecimento das atividades desempenhadas pelas instituições voltadas à inovação.
Do total de empresas analisadas pela sondagem, mais da metade do total – 51% -, afirmou não sentir informada sobre a existência, atividades e áreas de atuação das agências de apoio e fomento existentes para catalisar as atividades ligadas à inovação. Com relação à utilização das linhas de incentivo à inovação, de um modo geral, 45,7% declararam estar pouco capacitadas para esta tarefa. Outra pesquisa mais recente realizada este ano pela Fiesp, acerca do conhecimento dos instrumentos da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), revela o mesmo cenário de desconhecimento em relação às instituições e instrumentos de financiamento em tecnologia e inovação. Do total de empresas respondentes, apenas 28% conhecia os financiamentos em tecnologia do BNDES, 25% dos financiamentos da Finep, 19% das linhas de subvenção e 11% dos fundos de venture capital para inovação. Na mesma pesquisa, a Lei da Inovação foi indicada como um dos instrumentos com menor conhecimento dos empresários, ficando em penúltimo lugar.
A Fiesp tem realizado inúmeras ações para reduzir o desconhecimento das indústrias acerca dos instrumentos de financiamento e incentivos fiscais disponíveis, voltados à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. Além do programa de extensão tecnológica já destacado, temos outras iniciativas, como o lançamento em abril do Manual dos Instrumentos da Política do Desenvolvimento Produtivo – PDP. Nele estão informadas as características e forma de acesso dos principais instrumentos públicos de P&D&I constantes na PDP. Além disso, a federação promove sistematicamente palestras sobre os instrumentos de incentivo e financiamento aos sindicatos de indústrias e Ciesp, além de enviar periodicamente informações sobre editais e medidas do governo, voltados à inovação, para todo seu mailing de associados.
Quanto ao fato das linhas serem ou não suficientes, ao meu ver, o problema não está na quantidade, mas sim no acesso. De fato, as poucas empresas que se utilizam destes recursos que, em geral, são operados pelas instituições financeiras, tem dificuldades de acesso, que é mais grave nas médias e pequenas indústrias. A pesquisa sobre financiamento e investimento realizada pela Fiesp em 2007, demonstrou que as indústrias enfrentam três obstáculos principais à obtenção do crédito: exigências burocráticas excessivas (53%), prazos e carências inadequadas (45%) e exigência de garantias exageradas (26%).
Além do baixo conhecimento e das dificuldades de acesso, alguns instrumentos atendem apenas uma parcela de empresas. No caso da Lei do Bem, apenas empresas declarantes no regime de lucro real podem usufruir os benefícios. Como cerca de 90% das empresas está enquadrada no regime do lucro presumido, grande parte das indústrias, principalmente micro, pequenas e médias, ficam de fora do incentivo. É necessário encontrar soluções que ampliem a base de empresas elegíveis à Lei do Bem e outros instrumentos de incentivo fiscal e financiamento.
Há, portanto um descompasso entre o que as medidas e diretrizes institucionais possibilitam e a maneira como estes instrumentos conseguem ser acessados. Mais do que ampliar o número de linhas disponíveis a questão prioritária é a adequação das linhas e incentivos já existentes. É importante que haja o monitoramento das dificuldades de acesso e dos resultados obtidos pelas empresas que buscam e que recebem esses recursos. Baseando-se nestas informações, é possível identificar gargalos de atuação e buscar mecanismos de customização das linhas e incentivos para que a base de empresas seja ampliada.
Qual a sua avaliação em relação à necessidade de mudanças nos instrumentos de apoio à inovação para contemplar empresas de pequeno e médio portes?
Roriz – A concentração nos investimentos em atividades internas de P&D nas grandes empresas está apresentada na pesquisa Pintec/IBGE 2005. São estas que concentram 78,7% dos investimentos, seguidas das médias, com 13,2%, e das micro e pequenas, com 8,1%. Assim como os investimentos, o apoio governamental também é concentrado: somente 1% das empresas de pequeno porte, que realizaram atividades de P&D, recebeu financiamento público, nas médias esse valor foi de 4%, enquanto que nas grandes foi de 20%.
É sobejamente reconhecida a importância que as indústrias de pequeno e médio porte têm na geração de emprego e renda. Mas é preciso lembrar também que estas empresas estão inseridas em cadeias produtivas que competem globalmente. Logo, é fundamental reduzir o gap de produtividade entre grandes empresas e PMIs através da inovação, a fim não só de favorecer o seu crescimento, como também para aumentar a competitividade das cadeias produtivas onde estão inseridas. Portanto, além de reduzir as dificuldades de acesso aos instrumentos, inerentes a este porte, é preciso criar condições para que estas empresas obtenham níveis mais elevados de capacitação e de informação que as permita demandar com maior freqüência e intensidade o apoio governamental na condução de suas atividades inovativas, sejam elas de P&D ou de Treinamento ou Aquisição de Tecnologias.
Para que isto ocorra, deve-se observar que as principais necessidades dessas empresas em atividades inovativas estão no horizonte das inovações de processos, e estes em geral são de natureza incremental. A inovação incremental e a inovação radical são processos complementares, dado que não é possível escolher entre um ou outro para enfrentar um cenário altamente competitivo. No primeiro caso, temos uma condição estável, onde a inovação ocorre em torno das rotinas de boa prática, enquanto a inovação radical trata do processo de exploração sob condições de grande incerteza.
Ainda que o processo de inovação incremental não seja tão relevante quanto as atividades internas de P&D, ele é extremamente importante por representar os primeiros movimentos empresariais em direção a práticas mais elaboradas; especialmente para o conjunto de pequenas e médias empresas, que gradualmente modernizam sua capacidade produtiva, melhorando processos e gestão, realizando treinamento e adquirindo máquinas mais modernas. Portanto, se faz necessária uma adaptação do instrumental regulatório e dos financiamentos existentes, de modo a atingir a demanda deste porte de indústrias.
Acreditamos que é fundamental o financiamento público a esse tipo de atividade, com o objetivo de consolidar, primeiro, a cultura inovadora nas empresas e incorporação de tecnologia industrial básica e de melhoria de gestão e processos, para que elas percebam os ganhos com a adoção de novos mecanismos; e, num período posterior, acelerar a inclusão da pesquisa e do desenvolvimento nas estratégias empresariais.
Agência Odisseu – TIC Mercado