Pequeno gigante das Techs
Santa Catarina é conhecido pelas belas praias, distribuídas em 500 quilômetros de faixa de areia, e uma natureza exuberante, com vales, montanhas, lagos e rios. No estado, também são famosas as festas que resgatam as tradições de seus imigrantes, como a Oktoberfest. Atrações exploradas pelo turismo, tanto no inverno quanto no verão, numa área de 95,7 mil quilômetros quadrados (1,1% do território nacional), onde vivem 7,1 milhões de pessoas (3,4% da população brasileira). O 20º em tamanho, entre os 26 Estados. O décimo em número de habitantes. Uma pequena joia no Sul do País, mas gigante quando o assunto é o setor de tecnologia. É o segundo maior do Brasil em produtividade (relação entre faturamento e número de funcionários), o quarto em receita e o sexto em quantidade de empresas. Um polo de techs que se destaca ano a ano.
Nos últimos quatro anos, enquanto o número de companhias abertas no Brasil caiu 8,5%, de 334 mil para 306,4 mil, em Santa Catarina cresceu 11,8%. Somam agora 12.138. Foi a maior alta nacional no período, segundo o Tech Report 2020, estudo divulgado neste mês pelo Observatório da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) e pela Neoway, empresa de big data analytics e Inteligência Artificial para negócios, com apoio da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep). “Criamos um ecossistema sustentável, com integração entre boas empresas, bons empreendedores, que geram bons negócios”, afirmou Iomani Engelmann, presidente da Acate. “Além disso, temos formação de mão de obra qualificada e oferta de qualidade de vida nas cidades.”
Apenas em 2019, o aumento de techs abertas foi de 7,66%. As 864 empresas criadas geraram 3,5 mil postos de trabalho e o estado alcançou 56,5 mil empregos diretos no setor tecnológico. O faturamento das mais de 12 mil empresas catarinenses aumentou 12,1%, no comparativo com 2018, e chegou a R$ 17,7 bilhões, o que representa 5,9% do PIB estadual. É a segunda maior representatividade do País, atrás apenas do Amazonas (16%), que se destaca com a Zona Franca de Manaus. No Brasil, o setor de tecnologia representa 3,3% do PIB.
Uma das empresas que aterrissaram em solo catarinense em 2019 foi a Equilibrium, plataforma supply chain que conecta empresas que precisam fazer entregas com os embarcadores. Fábio Nunes vendeu sua empresa em São Paulo, a Navita, em 2018, após 17 anos de trabalho em soluções para gestão de mobilidade. Passou por um ano sabático, velejando pelo Oceano Pacífico e morando em montanha. Até retomar as atividades e passar por San Francisco, nos Estados Unidos, onde aprofundou conhecimentos em logística. Com o amigo de longa data Marcos Arante, fundou a Equilibrium em julho de 2019. Um dos atrativos para escolher o estado foi o ambiente de negócios e inovação latente, proporcionados pelo LinkLab da Acate.
Trata-se de um hub de conexões para o desenvolvimento de grandes empresas que estão à procura de soluções e startups que oferecem essas ferramentas. Assim que a Equilibrium foi apresentada e fechou negócios com Clamed, Grupo Pereira, Havan e Hippo. Com potencial escalável e um ano de vida, a startup recentemente recebeu aporte de R$ 1 milhão por parte da Invisto, maior hub de investimentos da Região Sul do País. “Em Santa Catarina temos um ambiente favorável justamente no começo do negócio, que é o mais difícil”, afirmou Fábio Nunes, que hoje realiza 40 mil entregas por mês e viu o movimento crescer 300% no período de pandemia. O LinkLab também oferece apoio nas áreas jurídica, de RH, contábil, de marketing e branding.
SINERGIA A integração entre empresas de pequeno, médio e grande porte é apenas um dos diferenciais encontrados no ecossistema tecnológico de Santa Catarina. Instituições, universidades e o poder público se movimentam em sinergia para proporcionar oportunidades. Foi assim com a empresa Área Central. Três jovens empreendedores com a ideia de criar uma agência digital no início dos anos 2000. Para desenvolver o negócio, passaram pela incubadora da Unidavi (Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí), na cidade de Rio do Sul. No início, faziam site, marketing digital e as primeiras tentativas de e-commerce. Em 2006, fizeram a intranet para uma rede associativa, que se tornou case de sucesso do programa Centrais de Negócios, do Sebrae, e foi divulgado por todo o Brasil. “Evidenciou nossa solução e se tornou atrativo para outros grupos”, disse Jonatan da Costa, CEO e cofundador da Área Central, que em 2012 recebeu investimento-anjo de R$ 150 mil do fundo HSBX e culminou no spin-off da antiga agência.
Hoje, a empresa oferece ferramentas para pequenos e médios se unirem – na compra de produtos em larga escala, por exemplo, e assim diminuir o custo e baratear a venda. Com isso podem competir com grandes players, principalmente do varejo, nos ramos de supermercados, farmácias e casa & construção. São 190 redes, com 6 mil associados e 25 mil usuários na plataforma. Só em 2019, cresceu 76% em relação ao ano anterior, com movimentação superior a R$ 30 bilhões em seu sistema. A estimativa para 2020 é de R$ 60 bilhões. A Área Central, que foi acelerada no passado, tem o projeto de impulsionar centrais de compras para criar mais oportunidades.
EDUCAÇÃO Não existe aceleração econômica dessa desenvoltura sem que ciência e educação de qualidade estejam por perto. As universidades em Santa Catarina têm papel fundamental no apoio às empresas do setor tecnológico. Seja ao abraçar as companhias, mostrar o caminho e ajudar na aceleração, seja no seu papel principal, que é o de formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho. É o segundo estado do Brasil com maior percentual de alunos do ensino superior em cursos voltados às competências de tecnologia. São 34,7 mil matrículas e cerca de 4 mil estudantes em fase de conclusão de curso. “Temos uma formação de talentos, com diversidade de pessoas para criação de times plurais”, afirmou Moacir Marafon, diretor-executivo e cofundador da Softplan, que em outubro completa 30 anos de história em solo catarinense.
Ele é um dos frutos da educação local. Formado em engenharia pela Universidade Federal de Santa Catarina, viu as três gerações de empresas de tecnologia no estado. A primeira delas foi estabelecida com recursos próprios, como a Softplan, que desenvolve softwares com foco nas áreas de justiça, indústria da construção, saúde e administração pública. Possui hoje 2 mil colaboradores. A segunda geração é a que recebeu investimento de venture capital desde os anos 2000. E a terceira é composta pelas startups, que aceleram soluções com pouco custo e muita eficiência. “Estamos numa ilha da magia. Quem vem para cá não quer sair mais”, afirmou Marafon, ao usar uma máxima sobre Florianópolis voltada ao mundo do turismo.
O executivo também participa de um movimento de descentralização do polo tecnológico de Santa Catarina, antes muito concentrado na capital. A Softplan saiu da região central da ilha para se instalar no Sapiens Parque, ao Norte de Florianópolis. É um reduto de inovação que possui infraestrutura e dedica seu espaço para abrigar empreen dimentos, projetos e outras iniciativas inovadoras estratégicas para o desenvolvimento da região. Controlado pelo Governo de Santa Catarina, em sociedade com a Fundação Certi, organização de pesquisa, desenvolvimento e serviços tecnológicos especializados ligada à Universidade Federal, é mais um exemplo da interação entre a iniciativa privada, o poder público e a academia.
ESTRATÉGIA A Acate possui um centro de inovação no local e em outras duas regiões: Primavera, na Rodovia SC-401, que leva ao Norte da ilha (tem se transformado em um corredor tecnológico), e São José, cidade vizinha a Florianópolis. “Temos a estratégia de espalhar as empresas por todo o estado, aproximando as techs dos setores já estabelecidos”, afirmou Iomani Engelmann, presidente da Acate e diretor de inovação da Pixeon, de softwares de gestão para hospitais e laboratórios. Lançada em 2003, foi a primeira empresa de tecnologia da área de saúde a ter investimento da Intel, em 2011.
Outra empresa que montou base em Primavera foi a LessenTech, consultoria e marketing digital. O grupo suíço escolheu Santa Catarina para se instalar no começo de 2019. “O estado tem uma forte cultura tech”, disse a diretora de marketing, Tatiana Moreira. “É precursor em inovação e recebe o maior evento de marketing do País, o RD Summit.” Com ações integradas, Santa Catarina se destaca com números expressivos. Trajetória iniciada na década de 1960, quando as primeiras empresas começaram a se instalar no estado. Um passado de aposta, que rende frutos no presente e se prepara para o futuro.
Fonte: Revista Istoé