Setor produtivo quer inserir inovação na agenda anticrise
O presidente da Finep, Luis Fernandes, afirmou que até o fim deste mês deverá estar desenhada uma solução para a capitalização da entidade, tema encaminhado na área econômica do Governo, o que lhe permitirá ampliar as operações de crédito para inovação. A Finep também quer definir até agosto formas de ampliar a captação de recursos de financiamento para atender a demanda de projetos em carteira que, em junho, somava R$ 3,4 bilhões.
O número considera projetos em todas as etapas do processo de tramitação da empresa, da consulta à contratação. Na comparação com dezembro de 2008, quando a demanda em análise na Finep era R$ 1,6 bilhão, a carteira mais que dobrou. Esse é, segundo o presidente da Finep, um indicador de que setores empresariais veem a crise como oportunidade para ampliar os investimentos em inovação. A disposição de investir em novos produtos e processos ou em P&D, indicada na carteira da Finep, se verifica apesar do adiamento de investimentos na ampliação da capacidade produtiva, como resultado da retração da demanda em um cenário de desaceleração econômica.
Na área privada, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) tenta transformar a inovação em um tema prioritário para as empresas, esforço que envolve presidentes de grandes corporações privadas e estatais como Gerdau, Ultra, Brasken, Petrobras, Microsoft, Ford, Coteminas, Fiat, IBM, Eletrobrás, Boticário, Merck, Novartis, Dell e Votorantim, além de associações setoriais e federações da indústria. Em agosto, a CNI vai promover, em São Paulo, o 3º Congresso Brasileiro de Inovação na Indústria, onde lançará um “manifesto pela inovação” – posicionamento político com a meta de alçar o tema à agenda estratégica das indústrias.
“A ideia é criar uma consciência sobre a importância da inovação como principal fator de competitividade das empresas na gestão e no modelo de negócio”, diz Rafael Lucchesi, diretor de operações da CNI. A busca por consenso em torno da inovação na indústria repete, de certa maneira, o movimento lançado, na década de 90, em torno da melhoria da qualidade nas empresas, que se transformou no Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP).
Claudio Gastal, diretor-presidente do Movimento Brasil Competitivo (MBC), entende que é preciso estreitar a parceria público-privada na busca pela inovação. A inovação foi incorporada à Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), a nova política industrial no segundo mandato do presidente Lula, mas falta, na visão do MBC, que os atores se integrem mais a essa política. “É uma mudança de comportamento”, diz Gastal. Por muito tempo, o meio empresarial esteve “divorciado” das atividades científicas e tecnológicas, concentradas em institutos de pesquisa e universidades. Havia baixa adesão dos empresários à temática da inovação e o mundo acadêmico permanecia desconectado, em grande medida, do esforço de desenvolvimento no meio empresarial. Essa realidade está mudando.
Tanto no setor público como no privado parte-se da premissa de que a inovação, em suas variadas vertentes (P&D, novos produtos, processos ou métodos organizacionais e de marketing), é fundamental para a competitividade sustentável das empresas. “Na era do conhecimento, quem não se voltar para a inovação como força motriz do desenvolvimento, termina prisioneiro de uma espécie de novo pacto colonial em que a tecnologia é desenvolvida em determinados polos que os demais (países) aplicam”, compara Luis Fernandes, o presidente da Finep.
Ele não quis dar detalhes sobre as negociações em curso no Governo para ampliar o crédito à inovação. Disse que o tema evolui de forma favorável. As discussões passam pelas fontes tradicionais de recursos da Finep, que incluem o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND). A entidade também opera com recursos próprios. Finep e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) poderão passar a ter ações integradas. Uma possibilidade é a Finep atuar como agente financeiro do BNDES no crédito à inovação.
O objetivo da Finep é ter condições de operar a carteira dentro de uma realidade que combina, de um lado, aumento de demanda por crédito à inovação, e, de outro, restrição de recursos como resultado de cortes orçamentários. “Há uma negociação integrada na área econômica para ampliar a capacidade de concessão de crédito e recompor o orçamento do FNDCT, em especial o orçamento da subvenção econômica”, disse Fernandes. Segundo ele, está prevista a edição de um decreto que vai recompor, a curto prazo, R$ 100 milhões dos recursos da subvenção, que consiste no apoio financeiro não reembolsável às empresas. O restante seria recomposto ao longo deste semestre.
No total, a Finep viu seu orçamento de 2009 ser reduzido em R$ 1 bilhão e trabalha, por enquanto, com R$ 2,5 bilhões para apoiar a inovação. Desse total, R$ 1,7 bilhão são destinados ao FNDCT para financiamentos não reembolsáveis, incluindo apoio a instituições de ciência e tecnologia, infraestrutura de pesquisa, subvenção e outros. Os R$ 800 milhões restantes são para operações de crédito reembolsável.
João Alberto De Negri, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), entende que falta ao País uma política de inovação para o período pós-crise. Ele defende a ampliação dos mecanismos de crédito, subvenção e incentivos fiscais para P&D. E prega uma ação articulada entre BNDES, Finep e Petrobras voltada para o núcleo de empresas geradoras de conhecimento novo para a inovação na indústria. São cerca de 700 empresas industriais para as quais o Governo teria de garantir financiamentos reembolsáveis de cerca de R$ 3 bilhões, via Finep, com juro zero em operação equalizada via fundo Verde Amarelo, programa de estímulo à integração universidade-empresa. O financiamento teria o objetivo de manter os investimentos em P&D e o pessoal ocupado na área por um período de dois anos.
O presidente da Finep disse que a política de inovação para o pós-crise está inscrita na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada pelo Governo em maio de 2008. Ele reconheceu que até a redução dos juros nas linhas de financiamento à inovação, o que foi possível com a última queda da TJLP, o tema não havia sido incorporado à agenda da crise, diferente dos Estados Unidos que inseriram os investimentos em ciência e tecnologia no primeiro pacote de combate à crise. Agora a agenda volta-se para a ampliação do crédito na inovação, insistiu Fernandes.
BNDES amplia crédito para inovação
A política de incentivo a investimentos em inovação tecnológica do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) será estendida, a partir de agosto, às micro e pequenas empresas. A oferta será feita por meio do Cartão BNDES, que permitirá a aquisição de serviços como registro de patentes, transferência de conhecimento e desenvolvimento de produtos.
“Escolhemos o cartão como ferramenta para a inovação por conta de sua maior agilidade nas operações. Por ter seu funcionamento idêntico aos dos demais cartões do mercado, o limite de crédito é pré-aprovado e a transação é realizada na hora”, explica Ricardo Albano Dias Marques, gerente de Operações do Cartão BNDES.
Para colocar a nova linha na praça, o BNDES deu início na semana passada ao cadastramento das instituições que receberão o cartão como pagamento pelos seus serviços. “Nessa primeira etapa, estamos convidando cerca de 20 entidades. Nesse grupo estão, principalmente, universidades e institutos de pesquisa. Nosso objetivo, no entanto, é ampliar ao máximo essa rede de credenciados”, acrescenta Marques. A expectativa do BNDES é de que o cartão já esteja oferecendo a linha de inovação no início de agosto.
Criado em 2003 e com a base ultrapassando os 200 mil clientes, o Cartão BNDES tem limite de crédito de R$ 500 mil e é oferecido por intermédio de três bancos emissores: Banco do Brasil, Bradesco e Caixa Econômica Federal (CEF). Uma mesma empresa pode ter um cartão de cada uma das três instituições. A taxa de juros é de 1,5% ao mês, com a possibilidade de parcelamento em até 48 vezes. Podem solicitar o cartão empresas com faturamento anual de até R$ 60 milhões.
O gerente do BNDES lembra que, até o início deste ano, o cartão financiava apenas produtos. “A primeira abertura para serviços foi feita para o segmento de certificação”, diz Ricardo Albano. Hoje, entre prestadores de serviço e fornecedores de produtos, o banco já acumula 13 mil companhias autorizadas a receber o cartão como meio de pagamento.
Outra alternativa de uso do cartão será a contrapartida a investimentos públicos. “Muitas vezes, a empresa quer concorrer a uma linha na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), mas não tem a contrapartida de recursos próprios exigida. Com a abertura para a inovação tecnológica, o cartão também poderá ser usado para estas garantias”, acrescenta.
Ricardo Marques conta que, por conta da crise econômica, o cartão tem registrado aumento no número de transações e de volumes negociados. No acumulado de janeiro a junho deste ano, o produto já movimentou R$ 1,04 bilhão, montante 172% superior ao registrado em igual período de 2008.
Nos primeiros seis meses deste ano, foram realizadas 71.570 operações, ultrapassando a marca do ano passado, de 60 mil transações. “Uma das explicações seria o fato de o cartão ter um limite já aprovado. Em tempos de crédito mais escasso, as pequenas e microempresas sentiram muita dificuldade de obter financiamento”.
BNDES tem R$ 6,4 bilhões para investir na área
A carteira do BNDES no apoio à inovação soma R$ 6,4 bilhões. O número considera operações em andamento desde o ano passado e cobre todas as fases de tramitação no banco: da consulta ao desembolso, passando pela contratação, aprovação, análise e enquadramento. De janeiro a maio deste ano, os desembolsos totalizaram R$ 484 milhões, incluindo linhas e programas de inovação e financiamento de bens de capital para médias e pequenas empresas. Em 2008, os desembolsos nessas áreas somaram R$ 1,3 bilhão.
No planejamento estratégico do banco para 2008-2009, a inovação aparece como prioridade e está refletida nas políticas operacionais em termos de prazos e taxas de juros, disse Helena Tenório, da área de planejamento do BNDES. O banco passou a financiar, via cartão BNDES, a contratação de serviços de pesquisa, desenvolvimento e inovação para micros, pequenas e médias empresas. O prazo para pagamento vai de 3 a 48 prestações fixas e o juro é de 1% ao mês. Os micros e pequenos empresários podem contratar em instituições científicas e tecnológicas serviços de pesquisa aplicada ao desenvolvimento de produtos e processos.
Luis Fernandes, presidente da Finep, afirma que a lógica é usar o investimento público para fomentar o investimento privado em inovação. A meta, segundo ele, é que os investimentos públicos e privados em ciência, tecnologia e inovação atinjam 1,5% do PIB em 2010 (o percentual era de 1% em 2006). O objetivo é que o governo federal participe com 0,64% e os Estados com 0,21%. A diferença, de 0,65%, é o investimento do setor privado.
Meta é aplicar 0,65% do PIB em pesquisa
O Brasil tem como meta na nova política industrial aumentar os investimentos das empresas em pesquisa, desenvolvimento e inovação de 0,51% para 0,65% do Produto Interno Bruto (PIB) até o fim de 2010. Para dar esse salto, serão necessários investimentos de R$ 18,2 bilhões, dos quais o BNDES se comprometeu a financiar R$ 6 bilhões, afirmou Helena Tenório.
A parcela restante, disse ela, será financiada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pelas próprias empresas. As áreas estratégicas são saúde, energia, defesa, tecnologias da informação e da comunicação (TIC), biotecnologia e nanotecnologia. Os últimos dados disponíveis da Pesquisa de Inovação Tecnologia (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2005, mostram que de um total de 91 mil empresas industriais, 30,4 mil implementaram produtos e ou processos tecnologicamente novos ou substancialmente aprimorados.
A taxa de inovação, que considera o número de empresas inovadoras sobre o universo industrial da pesquisa, foi relativamente baixa, de 33,4%, e praticamente igual à taxa da Pintec 2003, de 33,3%. Em 2005, nas empresas com mais de 500 empregados, a taxa de inovação foi a maior, de 79,2%. Mas quanto menor a empresa, menor a taxa, como mostra a última Pintec.
Nas empresas com 10 a 49 empregados, por exemplo, a taxa foi de 28,9%. Para as gerentes da Pintec, Mariana Rebouças e Fernanda Vilhena, o aumento da taxa de inovação depende de esforços das micro, pequenas e médias empresas. “A cultura de mobilização pela inovação tem que ser maior na pequena e média empresa”, disse Mariana.
O Movimento Empresarial pela Inovação, organizado pela CNI para tornar o tema uma prioridade nas empresas, envolve o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O objetivo é ampliar o número de pequenas e médias empresas que fazem inovação com foco, inclusive, nos arranjos produtivos locais (APLs). O movimento pretende criar o prêmio nacional de gestão na inovação como forma de mobilizar as pequenas e médias empresas em relação ao tema.
Ainda segundo a Pintec, cinco mil indústrias das áreas extrativa e de transformação gastaram cerca de R$ 7 bilhões em P&D em 2005. Desse total, 690 empresas, que empregavam mais 500 pessoas, investiram R$ 5,6 bilhões em P&D. No setor de serviços, 1,1 mil empresas desembolsaram R$ 3,27 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. No total, entre indústria e serviços, 6,1 mil empresas investiram R$ 10,3 bilhões em P&D.
Fernanda Vilhena afirmou que em 1º de agosto o IBGE começará a pesquisa do período 2006-2008. Os resultados serão conhecidos em julho de 2010. Haverá equipes coletando informações por telefone e diretamente nas empresas. A nova Pintec vai incorporar o novo conceito da inovação que inclui, além de gastos em P&D, a implementação de produto novo ou aprimorado, de processo ou novo método organizacional e de marketing.
Valor Econômico e O Estado de S. Paulo